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Clonazepam: uso irregular do calmante mais vendido no Brasil causa dependência silenciosa entre idosos

 Foto: Freepik

O clonazepam, calmante mais vendido do Brasil, é parte da rotina de milhões de brasileiros — especialmente de idosos. As estimativas apontam que ao menos 2 milhões de pessoas acima de 60 anos fazem uso do medicamento no país.

Só em 2024, foram 39 milhões de caixas comercializadas, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O uso, que deveria ser restrito a crises agudas de ansiedade ou insônia, se prolonga por anos e, silenciosamente, transforma o alívio em dependência.

Nos consultórios, os relatos se repetem: “Se eu não tomar clonazepam, não durmo.” “Sem ele, fico agitada.” As frases foram ouvidas pelo neurologista Alan Eckeli, especialista em Medicina do Sono e professor da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto. Elas são, quase sempre, ditas por pacientes acima dos 60 anos — e anunciam uma dependência silenciosa.

“Muitos chegam com a receita renovada há anos, sem lembrar quando começaram a usar o remédio”, conta Eckeli. “O efeito é rápido e eficaz, e é exatamente isso que o torna perigoso. O medicamento funciona — mas, equivocadamente, passa a ser tomado sem fim.”

Segundo o médico, a banalização do uso começa ainda na prescrição. “Muitas vezes, quem indica o clonazepam não tem formação em sono ou saúde mental. A insônia é tratada como sintoma, não como doença — e o tratamento se eterniza.”

RESUMO EM 7 PONTOS

  1. Clonazepam deveria ser usado apenas em crises agudas de ansiedade ou insônia, mas acaba virando rotina.
  2. O calmante é usado equivocadamente para preencher vazios emocionais: é tomado para aliviar solidão, luto e dor crônica.
  3. Muitos pacientes pedem a receita e resistem à retirada, mesmo após anos de uso contínuo.
  4. O uso prolongado causa problemas: perda de memória, risco de quedas e prejuízo cognitivo.
  5. A alta taxa de consumo no Brasil é fruto de uma longa história de prescrição excessiva desde os anos 1990.
  6. O problema está no uso sem acompanhamento: o remédio induz o sono, mas não o sono de qualidade.
  7. O desmame é lento e exige acompanhamento médico, com mudanças de rotina e apoio psicológico.

O mais popular entre os benzodiazepínicos
O clonazepam, de nome comercial Rivotril, pertence à classe dos benzodiazepínicos, medicamentos que atuam reforçando o GABA, um neurotransmissor responsável por desacelerar a atividade cerebral.

Ele é indicado oficialmente para o tratamento de epilepsia, transtornos convulsivos, crises de pânico, ansiedade e distúrbios do sono, de acordo com a bula aprovada pela Anvisa.

O efeito calmante aparece rápido — o corpo relaxa, a mente desacelera — e a sensação pode durar até 24 horas, graças à liberação lenta do princípio ativo, que mantém o efeito por mais tempo.

No entanto, seu uso contínuo como ansiolítico diário é incorreto e não recomendado, já que o medicamento foi desenvolvido para tratamentos de curta duração ou situações específicas, sob acompanhamento médico.

Levantamento nacional da Pesquisa sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM), publicado em 2022, mostra que ao menos 2 milhões de idosos brasileiros usam benzodiazepínicos — e 41,3% deles especificamente o clonazepam.

Apesar do alto número de usuários, o clonazepam é um medicamento controlado, de tarja preta, cuja venda só é permitida mediante receita azul, válida por 30 dias e retida pela farmácia a cada compra. A prescrição deve ser feita por médico habilitado, e cada dispensação fica registrada em um sistema nacional monitorado pela Anvisa e pelas vigilâncias estaduais.

Dados mais recentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) confirmam a liderança. Segundo relatório da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), o Brasil registrou 39 milhões de unidades de clonazepam vendidas em 2024.

O volume supera, por ampla margem, o de outros ansiolíticos do mesmo grupo, como o alprazolam (20,5 milhões de unidades), o bromazepam (15,3 milhões) e o diazepam (7,7 milhões).

Até mesmo as chamadas “drogas Z”, apresentadas como alternativas mais modernas para tratar insônia, ficam para trás: o zolpidem, o mais popular entre elas, registrou 15,9 milhões de unidades vendidas em 2024.

Fonte: G1