Com o reajuste do salário mínimo no início de 2025, a aposentada Elaine Moreira Bougleux, de 61 anos, esperava receber um valor a mais no pagamento de janeiro. Mas, para surpresa dela, ao conferir o extrato do banco, percebeu que, na verdade, o valor depositado estava menor. Foi aí que Elaine entrou no aplicativo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e descobriu que havia um desconto que ela nunca solicitou vindo de uma associação que ela nem conhecia. Elaine é uma das milhares de vítimas de um esquema bilionário de descontos indevidos em aposentadorias e pensões de beneficiários do INSS.
Na última quarta-feira (23 de abril), agentes da Polícia Federal e servidores da Controladoria-Geral da União (CGU) cumpriram 211 mandados judiciais de busca e apreensão, ordens de sequestro de bens no valor de mais de R$ 1 bilhão e seis mandados de prisão temporária no Distrito Federal e outros 13 estados. A ação fez parte da Operação Sem Desconto.
“Peguei o extrato para olhar o que que se tinha alguma coisa diferente lá e tinha o desconto de R$ 81,57 da associação ABCB”, diz Elaine. A ABCB é uma das 11 entidades investigadas pela PF no caso da fraude.
A aposentada conta que entrou em contato com a entidade por meio de um telefone 0800 e pediu o cancelamento do desconto, bem como o estorno. No entanto, ela foi informada que, para seguir com o pedido, deveria fazer uma validação facial – o que ela recusou. “Eu falei: reconhecimento facial? De forma alguma vou fazer isso! Você sabe o que é reconhecimento facial? É senha. Se eu te passar meu reconhecimento facial, eu eu estou contratando esse serviço e eu não contratei, eu não quero, não vou fazer esse reconhecimento”, conta.
Com a dificuldade de fazer as tratativas com a associação, Elaine buscou o INSS, que por sua vez pediu a ela que procurasse a CGU. “Aí fiz uma reclamação toda por escrito, detalhando que eu não contratei serviço nenhum, que o INSS autorizou um desconto no meu benefício sem a minha autorização. Eu sentia que o INSS era responsável por isso, e ele teria que me comprovar que eu autorizei esse serviço, tinha que ter um documento autorizando esse débito”, relata.
Já a CGU, segundo Elaine, respondeu que ela só conseguiria o estorno se entrasse em contato com a empresa. “Isso eu já cansei de fazer!”, protesta. Ela conta que já pediu o bloqueio dos débitos por meio do app Meu INSS (veja como fazer no fim da matéria) e que, desde janeiro, eles não foram debitados mais. “Mas não me estornaram o valor ainda”, afirma. “Eu me senti roubada. Porque, você vê, o INSS que teria que zelar pela nossa segurança deixa a gente vulnerável a essas empresas que agem de má fé”, desabafa.
Caso parecido aconteceu com a pensionista Ana*, de 77 anos, que preferiu não se identificar, pois está processando a associação. No caso dela, a descoberta dos descontos aconteceu em fevereiro, após ir ao banco para saber quantos empréstimos ainda havia em seu benefício e quando acabariam. Chegando lá, o gerente informou que, desde 2023, havia, além dos consignados, o desconto de R$ 33 referente à ABCB, a mesma associação citada por Elaine.
Ana, então, entrou em contato com a associação por meio do WhatsApp pedindo o estorno e recebeu a mesma orientação. “Falaram que iam mandar um link e que eu tinha cinco minutos para fazer uma foto do meu rosto. Foi minha filha que me alertou para não fazer porque a gente não podia confiar. O que eles iam fazer com a minha foto? Que garantia eu tenho de que não seria usada para inventarem um contrato que nunca fiz?”, questiona. “Além disso, me ofereceram apenas dois meses de estorno. Eu respondi que não concordava, e a conversa foi encerrada”, diz.
A pensionista procurou auxílio de um advogado em seguida e agora aguarda audiência com a associação para resolver o problema. “Eu nunca tinha ouvido falar dessa associação, nem sabia que isso existia. Trinta e três reais parece pouco, mas para uma pessoa que recebe apenas um salário mínimo faz diferença, é o valor de um quilo de carne”, desabafa.
Procurada pela reportagem, a ABCB informou que “é uma associação regularmente constituída, dedicada ao exercício de atividade social, beneficiando seus associados com inúmeros serviços, os quais se filiam de forma transparente, em procedimento que conta com rígidos critérios, inclusive de biometria, de acordo com a legislação pertinente”.
“A defesa da ABCB, representada pelo escritório Fernando José da Costa – Advogados, informa que foi surpreendida, na data de ontem, com o cumprimento de mandados de busca e apreensão, sem que tenha tido, até o momento, acesso à integralidade dos autos da investigação”, acrescenta.
Descobriu descontos indevidos?
De acordo com o advogado Antônio Carlos, do escritório Morad Advocacia Empresarial, ainda não é necessário contratar um advogado. “A CGU já suspendeu qualquer desconto sobre os recebíveis ou benefícios”, pontua. “A restituição será feita, se não for pelas vias administrativas oficiais, será pela judicial. Esperamos que seja pelas vias administrativas, obviamente”, diz.
Ele lembra que a PF vai investigar todas as entidades citadas. “Seguindo o caminho do dinheiro certamente a PF chegará aos estelionatários golpistas. Não será uma investigação tão difícil como alguns estão pensando, e essas quadrilhas serão desbaratadas e penalizadas severamente”, acredita.
Além disso, é possível bloquear esses descontos por meio do aplicativo “Meu INSS”. Veja como fazer:
- Entre no Meu INSS
- Faça login com CPF e senha do Gov.br
- Clique no botão “Mensalidade associativa” na página inicial
- Escolha a opção desejada: excluir mensalidade de associação ou sindicato no benefício; bloqueio/desbloqueio de mensalidade de entidade associativa ou sindicato ou consultar termo de adesão
- Leia o texto que aparece na tela e avance seguindo as instruções
Fonte: Jornal O Tempo