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INSS: veja como esquema de descontos fraudados atrasou a concessão de aposentadorias e benefícios

Os descontos feitos de forma irregular em aposentadorias e pensões pagas pelo INSS, alvos de investigações da Polícia Federal (PF), prejudicaram não apenas idosos afetados diretamente em seus contracheques.

Relatório de auditoria interna do Instituto afirma que o trabalho para excluir essas deduções impactou a fila de requerimentos da Previdência. As demandas relacionadas a esses casos representaram cerca de 16% do total de requerimentos tratados em uma central do órgão.

A apuração do INSS foi anexada à investigação da PF. Os relatórios da polícia apontam que o órgão ignorou alertas de autoridades e detalhes sobre o suposto esquema.

O documento do instituto, produzido em 2024, diz que os descontos levaram a um aumento considerável no número de pedidos de bloqueio ou exclusão da cobrança de parcela do benefício. Isso gerou mais trabalho aos servidores do INSS. Dessa forma, é como se a exclusão dos descontos estivesse competindo com outras atividades do instituto.

No período de janeiro a maio de 2024, o INSS recebeu 1.907.184 requerimentos relativos aos serviços “Excluir Mensalidade de Associação ou Sindicato no Benefício” e “Bloqueio e Desbloqueio de Mensalidade Associativa ou Sindicato”. O relatório aponta que 1,1 milhão de requerimentos para exclusão representam 392,3 mil horas de trabalho de um servidor.

Outro dado revelado é que em 90,78% dos requerimentos de exclusão consta manifestação do beneficiário informando que não consentiu com o desconto. Portanto, um milhão dos pedidos de retirada das mensalidades “poderiam ter sido evitados se seu consentimento com o desconto associativo tivesse sido adequadamente colhido”, afirma o próprio instituto.

A auditoria do INSS assinala que, “em decorrência da fragilidade do processo e das consequentes irregularidades nos descontos”, a execução das atividades ligadas às deduções representou um aumento significativo na demanda atendida pelos servidores.

“Além disso, esse aumento de demanda impacta negativamente em todos os esforços que o INSS vem adotando para dar vazão à fila de requerimentos”, afirma o texto. A fila de espera do INSS fechou o ano de 2024 com 2,042 milhões de pedidos. Zerar a fila do órgão foi promessa de campanha do presidente Lula.

Alertas ignorados

Os documentos da investigação também apontam que o INSS ignorou alertas de aposentados e de autoridades sobre fraudes nos descontos. Segundo a PF, as “medidas preventivas” para impedir a ocorrência das fraudes não foram “sustentadas” pelo órgão. O relatório assinala que o único interesse observado pela direção do órgão foi o das associações.

Em outra frente, o relatório da PF aponta para um empresário que, embora não seja servidor do instituto, é conhecido como “Careca do INSS”. Antônio Carlos Camilo Antunes é citado como figura central nas investigações. A polícia diz que ele é “sócio de uma miríade” de 22 empresas que recebiam recursos de diversas associações e os disponibilizava a servidores do Instituto Nacional do Seguro Social.

Segundo a representação da autoridade policial, ele movimentou ao todo diretamente R$ 53,5 milhões provenientes de entidades sindicais e de empresas relacionadas às associações. Antunes é dono de uma frota de 12 carros de luxo, tem imóveis em São Paulo e em Brasília e consta como representante legal de uma firma sediada nas Ilhas Virgens Britânicas. Porém, segundo a PF, declarou sua ocupação profissional como “gerente”, com renda mensal de R$ 24,5 mil e patrimônio entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões.

O “Careca do INSS” construiu o seu currículo profissional em torno de atuações na área da saúde. Na plataforma LinkedIn, se apresenta como diretor de uma das suas empresas de consultoria que representa uma companhia na área.

A PF afirma que ele possui procurações para atuar em nome de diversas entidades que cobram mensalidades associativas de aposentados e, nesses documentos, fica claro que ele recebeu poderes para atuar junto ao INSS especificamente para manter ou firmar acordos de cooperação técnica.

Os advogados de Antunes dizem que a inocência será provada. “A defesa confia plenamente na apuração dos elementos constantes nos autos e na atuação das instituições do Estado Democrático de Direito. Ao longo do processo, a inocência de Antonio será devidamente comprovada”, diz a nota.

A PF aponta que ex-dirigentes do INSS e pessoas relacionadas a eles receberam pelo menos R$ 17 milhões do esquema desde 2022 até 2024.

Lupi indicou procurador

Um dos servidores afastados pela investigação foi o agora ex-procurador-geral do INSS Virgílio Oliveira Filho. Servidor de carreira da Advocacia Geral da União (AGU), ele foi transferido para o instituto após pedido do ministro da Previdência, Carlos Lupi, e do ex-presidente do órgão Alessandro Stefanutto. Inicialmente, a solicitação foi negada pela procuradora Adriana Maia Venturini.

Posteriormente, a nomeação foi autorizada pelo chefe da AGU, Jorge Messias. A assessoria de Messias disse que o aval para transferência se deu “diante da inexistência de óbices administrativos, da comprovada experiência do indicado com os temas previdenciários e da conveniência e oportunidade” da alteração.

Oliveira Filho aparece em outro detalhe da investigação. Ele recebeu uma espécie de escolta de um agente da PF, classificada como irregular pela polícia, no aeroporto de Congonhas (SP). Uma imagem de novembro de 2024 mostra quando ele aparece acompanhado do empresário Danilo Trento antes de embarcar em um voo executivo a Curitiba.

Procurado, Trento disse que o encontro dos dois foi coincidência. O agente Philipe Roters Coutinho afirmou não conhecer o ex-dirigente e que não possui vínculo com o instituto. A defesa de Oliveira Filho informou que não iria se manifestar, pois só agora teve acesso aos autos. 

Fonte: O Globo