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Todos querem um pedaço do STF

O ministro Luís Roberto Barroso mal anunciou a antecipação de sua aposentadoria no Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 9 passado, e os telefones em Brasília já fervilhavam com lobbies por candidatos à sua sucessão. A nova indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deveria ser ocasião para um debate qualificado sobre o papel do STF e o perfil ideal de seus ministros à luz do interesse público, transformou-se, mais uma vez, em um balcão de reivindicações políticas e identitárias – o que só confirma o que todos já sabem: que o Supremo se tornou um Poder político.

Há quem defenda a indicação de uma mulher para a vaga aberta por Barroso. É um pleito legítimo. A presença feminina no STF, de fato, é ínfima – apenas três ministras em toda a história da Corte. Mas o critério de gênero, por si só, não pode se sobrepor à exigência do notório saber jurídico e da reputação ilibada, fundamentos da magistratura constitucional. Isso também vale para a mobilização de movimentos negros em favor da indicação de um ministro negro, pleito compreensível pela demografia e pelos marcadores de desigualdade, ainda presentes, de três séculos e meio de escravidão, mas que também não podem se sobrepor aos critérios fixados pela Constituição.

Já o PT defende o nome do advogado-geral da União, Jorge Messias. Próximo do presidente da República e visto como alguém de sua absoluta confiança, Messias reúne o apoio de setores da esquerda que veem em sua indicação uma garantia de alinhamento político entre o STF e o atual governo. Ademais, para seus patrocinadores, o fato de ser evangélico seria um ativo eleitoral para 2026 – o que só reforça a mixórdia entre a militância política e a função jurisdicional da Corte. O próprio líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), reconheceu em entrevista ao jornal O Globo que Messias é “com quem Lula tem mais convivência”, o que desnuda a natureza dos interesses que rondam seu nome.

No Congresso, parte dos políticos defende a escolha do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que conta com o apoio dos ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes e, sobretudo, do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). A força de Alcolumbre nesse tipo de decisão é conhecida. Basta lembrar que ele retardou por meses a sabatina de André Mendonça, indicado por Jair Bolsonaro em 2021, até que o Palácio do Planalto cedesse às suas pressões. Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União, é outro que aparece como “supremável”, como se diz, favorecido por seu bom trânsito entre políticos de diferentes partidos.

Essa profusão de articulações diz muito sobre o futuro do Supremo, que tende a seguir a trilha da politização e, assim, a degradar ainda mais a aura de imparcialidade que deve recobrir a judicatura. Em vez de discutir as credenciais acadêmicas, os compromissos institucionais e a leitura da Constituição que um ministro do STF há de ter, os lobbies em ação parecem interessados em saber o que cada um de seus protegidos poderia fazer pelo grupo, pela “causa” ou pelo governo – não o que poderia fazer pelo Brasil. O debate republicano sobre o papel da Corte e de seus ministros foi substituído por uma lógica pervertida segundo a qual um ministro do Supremo deve representar um segmento da sociedade ou uma corrente ideológica, ou ainda atender a uma conveniência política.

Essa distorção, alimentada pelo comportamento de ministros do próprio STF, explica a importância inédita que a eleição para o Senado assumirá em 2026. Ao se arvorar em protagonista da vida política nacional, o Supremo despertou a reação de parlamentares que hoje falam abertamente em “conter o ativismo” do tribunal. Na próxima eleição, serão renovados dois terços das cadeiras do Senado – e só cresce o número de pré-candidatos que apregoam usar o cargo para promover o impeachment de ministros. O fato de que essa retórica tenha ganhado corpo mostra o quanto o Supremo se permitiu bandear para o terreno da política.

O Brasil precisa de um STF que opere como contrapeso republicano, não como extensão do governo nem como “motor” de causas políticas e identitárias. Enquanto as indicações forem tratadas como oportunidade para presentear aliados ou satisfazer lobbies, o País seguirá pagando o altíssimo preço de ter um Supremo percebido como um tribunal político – e, portanto, parcial.

Por Notas & Informações – Estadão