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Opinião – Os desafios do novo papa

Os papas são eleitos desde o século 1. O procedimento eleitoral denominado conclave, nas formas conhecidas atualmente, foi oficialmente instituído em 1274, no Concílio de Lyon II, pelo papa Gregório X. Considerando o conclave como um meio eleitoral, pode-se afirmar que se trata de uma das formas mais antigas de votação, em que um representante institucional da Igreja Católica é escolhido em termos políticos e sociológicos por uma aristocracia (uma das três formas de governo de Aristóteles) composta por regras claras e por uma rígida burocracia. Ao lado desse princípio aristocrático, a Igreja possui ainda o princípio monárquico (o papa) e o princípio democrático (o concílio, ou seja, a reunião democrática de todos os bispos do mundo). É por saber combinar estes princípios numa forma mista de governo (já defendida por Aristóteles), que a Igreja Católica é uma das instituições mais sólidas e longevas do mundo.

O conclave também configura uma aristocracia porque o eleito (o papa) é escolhido pela elite da Igreja, que ocupa tal posição não por local de nascimento, mas por ter sido selecionado por um papa anterior, que lhe reconheceu, de maneira subjetiva e objetiva, mérito teológico, boa gestão dentro da ordem ou destacada atuação diplomática. Essa aristocracia “espiritual” tem como função escolher o novo papa e auxiliar nas decisões mais relevantes da instituição.

Uma característica deste conclave é a sua heterogeneidade, com 135 cardeais provenientes de mais de 73 países. Outro fator a ser considerado é a visibilidade e o acompanhamento do conclave pela mídia mundial, especialmente pelos meios digitais e pelas redes sociais. Trata-se de um conclave internacionalizado, embora haja uma concentração: 39,9% dos cardeais são europeus, 17% asiáticos, 14,8% norte-americanos, 13,3% africanos, 12,6% sul-americanos e 3% da Oceania. Esses dados demonstram, de maneira objetiva, o eurocentrismo dessa aristocracia da fé.

A elite clerical tem diversas demandas internacionais em pauta, entre elas: a guerra entre a Rússia e a Ucrânia (iniciada em 2022) e o genocídio relacionado a Israel e à Faixa de Gaza, desencadeado em 7 de outubro de 2023, quando o Hamas lançou um ataque massivo contra Israel. Um terceiro elemento em debate é a questão do avanço do Islã na Europa.

Internamente, o papa Francisco combateu os abusos sexuais cometidos por membros da Igreja, tema sempre polêmico e desgastante para a instituição.

Com a promulgação da constituição Praedicate Evangelium (2022), foi aberta a possibilidade de que leigos e mulheres ocupassem cargos de liderança no Vaticano, anteriormente reservados apenas a cardeais e bispos. As mulheres conquistaram maior espaço na organização da Igreja, e as conferências episcopais regionais passaram a gozar de maior liberdade, com menor vinculação direta a Roma. Além disso, com a sinodalidade (um método de convocação de assembleias que lembra a democracia participativa), o papa procurou enfraquecer a hierarquia e fortalecer os leigos, ou seja, procurou construir uma Igreja mais igualitária.

Outro ponto que será objeto de debate para o novo papa é a encíclica Amoris Laetitia (2015), que permite, em certas ocasiões, a comunhão dos recasados e a declaração Fiducia Supplicans (2023), que permite a bênção de casais do mesmo sexo, considerado um dos atos mais controversos do pontificado de Francisco.

É provável que o novo papa adote uma postura mais cautelosa no âmbito interno da Igreja. Mesmo sem reverter as mudanças promovidas por Francisco, é esperado que não ultrapasse os limites já estabelecidos. Contudo, terá que ser um hábil diplomata para acolher e debater temas complexos e urgentes da nova ordem mundial, equilibrar as tendências internas da Igreja, que hoje está mais dividida e que, além disso, não deixe de cumprir sua missão espiritual diante de um mundo cada vez mais secularizado.

Opinião por Carlos Eduardo Sell – Professor titular do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC, doutor em Sociologia Política pela UFSC, é pós-doutor pela Universidade de Heidelberg (Alemanha)

Israel Aparecido Gonçalves – Doutorando em Sociologia e Ciência Política pela UFSC, é mestre em Ciência Política pela UFSCar