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‘Quem faz o bem, vive mais’, diz mineiro de 118 anos que pode se tornar o idoso mais velho do mundo

Por volta da uma da tarde, um homem de boina azul bebe água à sombra de uma árvore, com uma saciedade invejável. De olhos fechados, sente o sol tocar a pele, franzindo a testa enrugada. Mais tarde, ele foi à capela e participou de uma sessão de música com os amigos da Instituição Cidade Ozanan, lar para idosos em Pará de Minas, no Centro-Oeste de Minas Gerais, onde vive. Foi assim que Levino da Costa de Jesus passou o primeiro dia de vida com 118 anos nessa quarta-feira (7 de maio) — e muito agradecido. “Quem faz o bem, vive mais”, diz ele, exemplo de sabedoria simples, dita em poucas palavras. Há um século e 18 anos, o aposentado se esquiva do que mais teme na vida: a morte. “Tem o bom e o ruim. Morte é ruim”, diz.

Um processo para reconhecer Levino como o idoso vivo mais velho do mundo tramita no Guinness World Records desde o ano passado, já que o atual detentor do título é um cearense de 112 anos. Trabalhador rural durante a maior parte da vida, Levino nasceu em 6 de maio de 1907, em Ascensão, na zona rural de Pará de Minas, quando a iluminação ainda dependia de lampiões e o principal meio de transporte era a carroça. Enquanto ele crescia e peregrinava por fazendas de cidades mineiras, como Florestal e Gameleiras, o mundo atravessava duas guerras mundiais, assistia às primeiras viagens ao espaço e via nascer a internet.

Os acontecimentos históricos de mais de um século de vida, no entanto, não marcaram Levino tanto quanto a influência de sua mãe, Maria Rita de Jesus — mencionada por ele diversas vezes durante a conversa com a reportagem. “Minha mãe é quem sabe”, diz, quando lhe faltam respostas, referindo-se a Maria Rita no presente. “Ela me dizia que tem o bom e o ruim. Tem a ruindade e a bondade”, repete, como quem transmite um ensinamento. Na certidão de nascimento de Levino, não consta o nome do pai, e ele também não menciona nenhuma figura paterna. O aposentado é, hoje, o último filho vivo de quatro irmãos. Sem ter se casado ou tido filhos, é visitado por um sobrinho, de 73, morador de Belo Horizonte.

A história que a equipe da Casa Ozanan conseguiu recuperar sobre Levino de Jesus é contada por meio dos poucos documentos que ele preservou ao longo dos anos: além da certidão de nascimento, está, por exemplo, a carteirinha do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), extinto em 1993. O idoso já não tem mais o bigode que marcou seu rosto por mais de 30 anos — eternizado nas fotos 3×4 das décadas de 1970 a 2012. A leveza no olhar, por outro lado, parece ser um ganho do envelhecimento. 

Acolhido no lar de idosos desde os 100 anos, após a vizinha que cuidava dele também envelhecer, o aposentado mostrou às assistentes sociais da instituição que, embora já não consiga narrar a própria história, ainda expressa, em gestos, o que considera mais importante. “Seu Levino pode ter se esquecido de vários fatos e pessoas ao longo da vida, mas é impressionante a fé que ele trouxe como bagagem, antes de chegar aqui. Nos momentos de oração, ele retira a boina, em sinal de respeito. Ele tem uma gratidão incomparável, e agradece por qualquer ato, por mais simples que seja”, conta a assistente social Marisa Melo.

De fato, entre as poucas certezas que Levino demonstrou durante a conversa com a reportagem, estava a fé: “Sou devoto de Nossa Senhora Aparecida e do Padre Libério”, disse, sem titubear. Apesar de estar em uma cadeira de rodas, o idoso não aparenta ter 118 anos, está bem de saúde e faz uso de apenas quatro medicamentos, para controle de pressão, glicose e sono. No Carnaval do ano passado, recebeu a chave da cidade de Pará de Minas, mais uma prova de como é bem quisto pela comunidade. “Levino é sempre alegre, e isso encanta. Quando está quietinho é que estranhamos”, brinca a assistente social Marisa. 

Para ela, cuidar de um dos homens mais idosos do mundo é uma oportunidade constante de aprender em silêncio. “Levino tem gosto pela vida e vive com tranquilidade. Ele encontra prazer em tudo, mesmo nas coisas mais simples. Com ele, aprendi a sair do automático e a valorizar o essencial — até mesmo o copo d’água de cada dia. Estou começando a acreditar que esse é o caminho para os 118 anos”, palpita. Enquanto Marisa falava, Levino soltava gargalhadas com uma amiga do lar de idosos, Lucia Maria, de 80 anos.

O processo para o reconhecimento de Levino da Costa de Jesus como o homem mais idoso do mundo pelo Guinness World Records (GWR), iniciado em 2024, já superou a primeira etapa documental. Agora, a equipe da Instituição Cidade Ozanan tenta reunir evidências da linha do tempo do aposentado — de fotografias a relatos de pessoas que o conheceram. O trabalho, no entanto, esbarra no fato de que muitos já faleceram e, por ter sido trabalhador rural, Levino não acumulou registros fotográficos. Ainda assim, as tentativas seguem. Questionado, o GWR informou que cada recorde possui um conjunto específico de regras e exigências. “A elegibilidade de cada indivíduo e as evidências disponíveis são discutidas com os grupos de pesquisa Super Centenarian, LongeviQuest e Gerontology Research Group”, declarou.

Fonte: Jornal O Tempo