Pular para o conteúdo

Idoso internado fica com dívida de R$ 30 mil à espera de transferência para rede pública: ‘Não tenho como pagar’, diz filha

Walter de Almeida, de 85 anos, correu para unidade privada após sofrer infarto, mas não conseguiu vaga em unidades municipais ou estaduais, apesar de quatro ordens judiciais determinarem atendimento

A família de Walter de Almeida, de 85 anos, diz não ter como pagar uma dívida que passa de R$ 30 mil acumulada durante a internação do aposentado numa clínica particular do Rio de Janeiro. Após sentir fortes dores no peito, na sexta-feira, o homem correu para a unidade de saúde mais próxima de casa, a Notre Damme Intermédica de Campo Grande. Com o quadro estabilizado, ele chegou a entrar com quatro ordens judiciais que obrigavam o estado e o município a transferirem o paciente e prestarem o serviço. Mas o idoso teve de permanecer na clínica privada até esta terça-feira, quando recebeu alta. As secretarias municipal e estadual de Saúde alegaram que não havia vaga para Walter nas unidades públicas.

Enquanto a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro afirmou que ele estaria sendo acompanhado pela equipe do município, a Secretaria Municipal de Saúde relatou que uma sobrecarga da rede municipal deixou o paciente sem vaga em leito especializado.

O morador de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, teve o quadro estabilizado no Notre Damme Intermédica. Mas, sem plano de saúde para cobrir os próximos passos do atendimento — que seriam a permanência no leito para monitoramento por mais de 12 horas e o procedimento de cateterismo para tratar o infarto —, a família passou a buscar vagas na rede pública.

— Meu pai não tem plano de saúde, mas no plano funerário ele tem a possibilidade de ser atendido na clínica e ter até 12 horas de internação. Além disso, eu teria que pagar — diz a filha do idoso, Joseane de Almeida.

O próprio salário de aposentada de Joseane não seria suficiente para pagar os R$ 3 mil diários para a permanência de seu pai no leito privado. A mulher então buscou se informar sobre como seguir o tratamento do pai. Funcionários da clínica particular cadastraram Walter no Sistema Estadual de Regulação (SER), para a transferência a alguma unidade de saúde pública do município ou do estado.

No entanto, ao buscar vaga no UPA de Campo Grande e no Instituto Nacional do Coração (INC), Joseane foi informada da falta de vagas para o atendimento de uma pessoa estável nos dois locais.

— Uma funcionária do UPA Cesário de Melo me informou que eu poderia levar o meu pai para ser atendido lá, mas não teria garantia de ser internado no leito coronariano porque ele já estaria com o quadro estável — diz Joseane. — Como ele já passou da fase aguda, não sei se o médico iria mantê-lo aqui ou internar, é incerto.

Mesmo não estando em estado grave, a família temia que o aposentado sofresse um infarto, sem a continuidade do tratamento. Joseane contratou um advogado para entrar com uma ação judicial em que alegava o risco de saúde que o seu pai estaria passando ao postergar cada vez mais o procedimento de cateterismo e a transferência para um hospital apropriado.

— Foram quatro decisões favoráveis de quatro juízes diferentes pedindo que ele fosse internado, seja na rede pública ou, no caso de não haver vagas, no particular. O Estado não cumpriu. O que se faz? Parece que o estado e município não jogam dentro do Estado Democrático de Direito e fazem o que quiserem — afirma o advogado da família, Leonardo Pavão.

A juíza Luciana Losada, do Tribunal de Justiça da Comarca da Capital foi a terceira a deferir a ação judicial de Walter e chegou a cobrar multa ao estado de R$ 10 mil reais a cada seis horas que não fosse cumprida a ordem judicial para a transferência. Isso, após quatro dias do infarto.

Em resposta aos mandados judiciais, o Complexo Regulador Municipal, responsável pela disposição de vagas em leitos na cidade do Rio, afirmou que por não possuir “competência para receber citações em nome do Município do Rio de Janeiro e/ou intimações que acarretem o início de prazo para interposição de recursos, o recebimento da presente intimação tem como único objetivo o cumprimento operacional da obrigação nela contida, não implicando em responsabilidade quanto a prazos recursais”.

Já o Complexo Regulador Estadual, responsável por atendimentos de altas complexidade em todo o estado — como o procedimento de cateterismo necessário para o tratamento de infarto de Walter de Almeida — respondeu que o idoso já estaria cadastrado no Sistema Estadual de Regulação e que as medidas seriam rapidamente tomadas.

Mesmo assim, Almeida permaneceu no leito por um total de 11 dias à espera de um atendimento, enquanto sua filha se preocupava com a falta de recursos para pagar o atendimento.

— Ainda não sei o valor exato porque devem enviar só depois, mas passou de R$ 30 mil. Mas não tive como tirar o meu pai de lá porque estava com medo de sofrer mais alguma coisa e não conseguirem atendê-lo a tempo — conta Joseane.

Na noite desta terça-feira, ela revelou que o pai conseguiu receber alta da clínica e vai esperar o atendimento em casa. Entretanto, sem condições financeiras para pagar os dias que seu pai ficou internado, Joseane espera conseguir uma atuação da Justiça no caso.

— Estou apavorada, não sei bem como fazer isso. Estive falando com o meu advogado e ele afirmou que eu teria direito a não pagar por causa da minha condição financeira e por não ter o meu pai transferido. Agora torço para conseguir — diz Joseane.

De acordo com os artigos 24 e 26 da Lei nº 8.080/1990, também conhecida como Lei Orgânica da Saúde, quando as disponibilidades públicas forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada com critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados no Conselho Nacional de Saúde.

Ainda assim, Joseane ressalta que a notícia positiva foi acompanhada de sorte, e não de um atendimento público eficiente.

— Meu pai foi salvo na clínica. Atenderam ele muito bem. Mas os médicos falaram que ele teve muita sorte de não sofrer mais nada nesse tempo internado. Agora vou cuidar dele em casa até o dia do cateterismo — diz a aposentada.

Questionado pelo GLOBO a respeito de não terem realizado a transferência para o setor privado, no caso de falta de vagas no setor público o Complexo Regular Estadual informou que “uma solicitação de transferência do paciente Walter de Almeida para leito clínico foi inserida no Sistema Estadual de Regulação no dia 17/01″ e que ele “vem sendo acompanhada pela equipe do município”.

Já o Complexo Regulado Municipal afirmou que cobra por maior infraestrutura do estado, pois não teria vaga.

“Na data de hoje, 55 pacientes aguardam a realização do cateterismo internados na rede municipal, e 217 aguardam a transferência para uma unidade especializada em cardiologia de alta complexidade. A SMS tem cobrado da Secretaria de Estado a ampliação das vagas e a redução da espera, que sobrecarrega a rede municipal e coloca em risco a vida dos pacientes”, comunicou o órgão.

Fonte: O Globo