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Política sustentável de redução da fome não é clara no Brasil

Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU e precisa documentar estratégia – Divulgação

De acordo com a ONU, o Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014 e sustentou a posição até 2018. Voltou no triênio 2019-2021 e, agora, no triênio de 2022 a 2024. O novo relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo” concluiu que o índice de risco caiu novamente abaixo do limite de 2,5%, considerado o critério para saída do mapa.

Sem dúvida, temos muito a comemorar e celebrar. É uma enorme conquista estarmos novamente fora de uma situação tão aguda. Queremos sustentar essa posição.

Considerando que saímos duas vezes em duas décadas, temos a tecnologia para reduzir a fome e a pobreza, estamos seguros que sabemos fazer isso pontualmente. O que não fica claro é se conseguimos explicar os mecanismos para alcançar tais resultados e se podemos sustentar esse mérito por longos períodos.

Sabemos fazer pontualmente, pois nosso país apresentou melhorias importantes na pobreza de 2003 a 2014. No entanto, de 2014 em diante, a pobreza ficou estagnada por um longo período. Será que naquele momento fizemos um esforço enorme que nos exauriu a partir de 2014? Em um contexto de estagnação, crise sanitária e recessão, entramos novamente no mapa da fome no triênio 2019-2021, poucos anos depois de termos saído.

De 2022 em diante, nossos indicadores de pobreza melhoraram sucessivamente e saímos do mapa da fome novamente. Estamos muito felizes com o nosso atual sucesso, mas olhando para o nosso futuro, será que novamente alcançamos esse mérito à beira de uma estagnação? Nossa tecnologia está preparada para uma eventual nova crise?

Para o futuro do Brasil é importante saber quais políticas e quais mecanismos precisamos acionar para nos manter com direitos básicos garantidos. Já fizemos duas vezes. É preciso documentar essa tecnologia. Instituições como o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e as universidades podem ser acionadas para essas iniciativas de documentação e de preparo para o futuro.

Elas podem traçar estratégias de identificação e comprovação científica de quais são as políticas públicas que foram determinantes para termos os indicadores excelentes que conseguimos alcançar. Certamente também tivemos ineficiências nesse processo, e essas precisam ser identificadas e corrigidas.

Para além de se tornar um saber público, também é importante que essas respostas sejam de fácil acesso e compreensão da sociedade em geral, em especial, para todo e qualquer gestor público que for governar o Brasil e seus entes federados. De posse desse conhecimento, a sociedade brasileira pode pressionar seus governantes sobre quais políticas e mecanismos são importantes e inegociáveis.

Nos falta um projeto de futuro, com clareza de como sermos sustentáveis no combate à fome e com condições de manter nossos resultados de forma equilibrada e com coesão social. Após nos reerguemos de um segundo tombo, o futuro do Brasil requer estratégias para manter a sociedade brasileira de pé. E sem solavancos.

Por Laura Müller Machado – Mestre em Economia Aplicada pela USP, é professora do Insper e foi secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo.