O mundo estava atento ao estado de saúde do papa Francisco desde fevereiro de 2025, quando notícias circulavam dando conta do seu quadro clínico, até que, em 21 de abril de 2025, o pontífice faleceu, deixando mensagens de amor, esperança e acolhimento, lembrando a todos que a “atitude humana mais próxima da graça de Deus é o humor”; e, também, externou preocupações com a poluição e as mudanças climáticas na encíclica Laudato Si’.
Um dos legados do papa Francisco consiste em conferir um novo sentido ao papel da Igreja Católica em relação aos pobres, aos marginalizados e aos invisíveis. Mas, como mandam as regras protocolares de sucessão do bispo de Roma e soberano da cidade do Vaticano, o Conclave que reúne todos os cardeais do mundo aptos a escolher o novo papa foi realizado e elegeu o cardeal Robert Francis Prevost, que optou pelo nome papal de Leão XIV.
O nome papal escolhido, conforme confessou o próprio pontífice eleito, foi uma homenagem ao Papa Leão XIII, responsável pela confecção da encíclica Rerum Novarum, que trouxe à tona a questão social no contexto da Revolução Industrial, fincando as bases dessa doutrina social com destaque ao princípio da subsidiariedade.
A justificativa apontada pelo novo bispo de Roma para a escolha do nome Leão XIV é o que motiva o presente texto e, principalmente, o seu título, numa associação direta entre a famosa expressão “habemus papam” para indicar que temos um papa, mas, no presente caso, para indagar se temos uma democracia cultural.
A encíclica Rerum Novarum, ao inaugurar a doutrina social da Igreja, aborda aspectos dos mais relevantes para o princípio da subsidiariedade que devem estar nas bases da organização da sociedade e do Estado, assim como por extensão, em um sistema de cultura que se propõe nacional, porque deve fortalecer os direitos dos cidadãos, dos grupos e das comunidades, e não os substituir, com um paternalismo que não promove autonomia, mas dependência.
A concretização da democracia cultural passa pela efetivação do princípio da subsidiariedade, tanto no texto das normas quanto da sua aplicação no setor cultural, no sentido de que as responsabilidades públicas pelas políticas culturais devem ser preferencialmente exercidas pelos entes/autoridades mais próximas das comunidades, e apenas, excepcionalmente, por outros entes de maior abrangência, pois estes não podem retirar dos entes e comunidades locais o direito de agir conforme sua própria iniciativa.
Este princípio já permeia textos normativos como os da União Europeia, e as constituições dos países que a compõem, e outras importantes encíclicas como a Centesimus Annus do papa João Paulo II, que prevê expressamente este princípio e cujos ensinamentos estão no Compêndio da Doutrina Social da Igreja, que afirma: “187. O princípio de subsidiariedade protege as pessoas dos abusos das instâncias sociais superiores e solicita estas últimas a ajudar os indivíduos e os corpos intermédios a desempenhar as próprias funções. Este princípio impõe-se porque cada pessoa, família e corpo intermédio tem algo de original para oferecer à comunidade. A experiência revela que a negação da subsidiariedade, ou a sua limitação em nome de uma pretensa democratização ou igualdade de todos na sociedade, limita e, às vezes, também anula, o espírito de liberdade e de iniciativa.
Desta feita, nada mais adequado à democracia cultural em uma sociedade plural, como a enunciada pela Constituição de 1988 do que o princípio da subsidiariedade. Contudo, este princípio segue negligenciado. As políticas culturais não conferem o protagonismo necessário às comunidades e aos entes locais. Eles precisam ser cada vez mais estimulados em seu espírito de liberdade e de iniciativa, pois são os pilares da democracia cultural.

Por Allan Carlos Moreira Magalhães – Doutor em Direito, professor da Universidade do Estado do Amazonas, a rticulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult), autor do livro ‘Patrimônio cultural, democracia e federalismo’, é coautor do livro ‘É disso que o povo gosta: o patrimônio cultural no cotidiano da comunidade’.