
O diagnóstico recente de Milton Nascimento, de demência por corpos de Lewy, que motivou uma onda de consternação mundo afora, recoloca em pauta o desafio de moldar políticas de saúde pública ao atendimento de uma população que envelhece acelerada e continuamente.
O fenômeno, que é mundial, atinge o País de forma particularmente forte. De acordo com o Relatório Nacional sobre a Demência, divulgado no ano passado pelo Ministério da Saúde, cerca de 1,8 milhão de brasileiros vivem com algum tipo de demência. O mesmo estudo projeta o triplo para 2050, com 5,7 milhões de pessoas acima de 60 anos com esse diagnóstico.
Aos 82 anos, Milton, um dos mais respeitados artistas da música brasileira, é assistido 24 horas por enfermeiros em sua casa, no Rio, como detalhou o filho, Augusto, ao tornar pública a enfermidade e os cuidados dedicados ao pai. Mas essa, infelizmente, não é a realidade da ampla maioria de cidadãos acometidos por moléstias cognitivas que lhes roubam gradativamente a autonomia.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem cerca de 33 milhões de idosos, população que praticamente duplicou em pouco mais de duas décadas. Estimativas da Fiocruz apontam que 75% deles dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS).
Levando em consideração expectativas de crescimento futuro da população idosa, que em 2070, com mais de 75 milhões, deve representar cerca de 38% do total de brasileiros, é possível antever as dificuldades à espreita de um sistema público de saúde já sobrecarregado. A adequação imediata é a única maneira de evitar o colapso logo adiante.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) havia fixado para este ano o prazo para que os 194 Estados-membros elaborassem um plano de ação global para resposta da saúde pública à demência. A pedido dos países, o prazo foi prorrogado para 2031.
O Brasil possui um sistema de saúde que, por sua abrangência, universalidade e gratuidade, é considerado referência mundial. É preciso preparar o SUS a essa nova realidade, que não é simples. Inclui qualificação de profissionais para atendimento multidisciplinar, reabilitação e cuidados paliativos a uma população extremamente vulnerável.
O próprio Ministério da Saúde calcula que cerca de 45% dos casos de demência poderiam ser prevenidos ou, ao menos, retardados já que, pelo que se conhece até agora, alguns fatores de risco podem ser modificados. Entre eles estão alguns facilmente identificáveis, como isolamento social, inatividade física, comorbidades que contribuem para a acelerar o processo degenerativo, como diabetes, hipertensão, perda auditiva e obesidade, e até elementos socioeconômicos, como a baixa escolaridade.
Milton Nascimento, gênio da música brasileira, presta um grande serviço ao País ao lançar luz sobre seu drama pessoal – e o de milhares de idosos brasileiros anônimos, muitos dos quais desprovidos de qualquer ajuda ou cuidado.
Por Notas & Informações – Estadão





