A recente sanção da Lei nº 14.711/2023, conhecida como Marco Legal das Garantias, trouxe uma profunda transformação no sistema de crédito brasileiro. O discurso oficial é claro: dar mais segurança aos credores e, com isso, reduzir taxas de juros e ampliar o acesso ao crédito.
Na prática, porém, o tema divide opiniões.
De um lado, é inegável que o novo regime fortalece o mercado financeiro. A possibilidade de um mesmo bem ser oferecido em mais de uma garantia, somada à atuação do chamado agente de garantia e ao reforço da execução extrajudicial, promete maior dinamismo nas operações de crédito.
Bancos, fintechs e investidores passam a contar com instrumentos mais previsíveis e eficazes para recuperar valores emprestados.
De outro lado, cresce a preocupação com o consumidor e o pequeno empresário. Se antes a alienação fiduciária já era motivo de apreensão, agora o risco é ainda maior: a execução extrajudicial ganhou mais força e a proteção do devedor foi reduzida.
O que se anuncia como democratização do crédito pode, em certos casos, transformar-se em um caminho para o superendividamento e para a perda rápida de bens essenciais, inclusive a moradia.
A grande polêmica está justamente no ponto mais ousado da lei: a possibilidade de múltiplas garantias sobre o mesmo bem.
Se, por um lado, essa medida pode estimular novos financiamentos, por outro, abre a porta para disputas entre credores e aumenta o risco de insolvência do devedor, que pode perder patrimônio em diversas frentes ao mesmo tempo.
Não por acaso, já surgem debates sobre a constitucionalidade da norma. Questiona-se se a nova lei respeita o direito à moradia, o devido processo legal e a proteção ao consumidor previstos na Constituição.
Há quem veja no texto legal um desequilíbrio perigoso: a balança pende demasiadamente para o lado do credor.
Diante desse cenário, a reflexão é inevitável: o Marco Legal das Garantias será lembrado como um divisor de águas no fortalecimento do crédito ou como um mecanismo de vulneração do cidadão comum?
O tempo — e a atuação do Judiciário — dirão se a lei trará o equilíbrio prometido ou se representará um novo capítulo de endividamento em massa e insegurança social.
