Pular para o conteúdo

Opinião – Liberdade de expressão ou carta branca para o ódio?

A decisão recente da Meta de remover agentes independentes de revisão de conteúdo e checagem de fake news de suas plataformas representa um retrocesso alarmante, especialmente em questões que envolvem saúde mental, comportamento social e respeito às minorias. Permitir que LGBTQIAPN+ sejam chamados de “doentes mentais” ou “aberrações”, sob a justificativa de “discurso religioso e político”, é uma afronta aos avanços conquistados pela ciência e pelos movimentos de direitos humanos.

Desde 1974 a homossexualidade deixou de ser considerada uma doença mental no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM). Décadas depois, em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que ser trans não constitui uma condição de saúde mental, afirmando que classificá-la como doença é um erro grave. Essas mudanças representam não apenas avanços científicos, mas também éticos, em um esforço para reduzir o estigma que historicamente tem impactado negativamente a saúde mental da comunidade LGBTQIAPN+.

Ao permitir a disseminação de discursos que desqualificam essas conquistas, a Meta coloca em risco anos de esforços de educação e conscientização pública. Retirar os filtros de checagem e moderação abre espaço para a propagação de preconceitos que já foram amplamente desmentidos pela ciência.

Estudos mostram que discursos de ódio e desinformação nas redes sociais estão diretamente relacionados ao aumento de ansiedade, depressão e até mesmo de comportamentos suicidas, especialmente entre jovens LGBTQIAPN+. A decisão da Meta enfraquece iniciativas e boas práticas de saúde mental que buscam combater os efeitos do bullying virtual, o discurso de ódio e até o isolamento social.

A Associação Americana de Psicologia (APA) destaca que redes sociais podem ser ferramentas importantes para o apoio psicológico e a conexão social. No entanto, quando desreguladas, tornam-se ambientes nocivos, onde preconceitos são amplificados e comportamentos tóxicos, normalizados.

O discurso de ódio é frequentemente alimentado por desinformação, e é exatamente nesse ponto que os sistemas de fact-checking desempenham um papel crucial. A ausência de moderação efetiva não apenas permite que mentiras se espalhem, mas também normaliza narrativas que desumanizam grupos inteiros.

De acordo com o Full Fact, uma organização de checagem independente, a decisão da Meta compromete o acesso do público a informações confiáveis, o que pode ter consequências sérias, desde a radicalização de grupos até o enfraquecimento da coesão social. Sem a checagem adequada, preconceitos contra LGBTQIAPN+, mulheres e imigrantes podem se consolidar, criando um círculo de desinformação que reforça estereótipos e pode fomentar a violência.

A retirada de moderadores e a normalização de discursos de ódio tornam o trabalho da psicologia na sociedade ainda mais desafiador. Profissionais que lidam com os impactos do ódio e da desinformação veem suas intervenções ameaçadas por narrativas que retrocedem ao século passado, desconsiderando décadas de avanço na compreensão da diversidade humana.

A psicologia positiva e o mindfulness podem ajudar as pessoas a lidarem com os impactos desses discursos, promovendo resiliência e bem-estar emocional. No entanto, é impossível ignorar que a mudança nas políticas da Meta intensifica o problema ao invés de contribuir para soluções.

Plataformas de grande alcance como Facebook, Instagram e Threads têm responsabilidade não apenas com seus usuários, mas com o tecido social. Abrir mão dessa responsabilidade em nome de “liberdade de expressão” é fechar os olhos para os danos concretos causados pela desinformação e pelo ódio.

Conforme apontado pela Gay & Lesbian Alliance Against Defamation (Glaad), políticas como essa apenas normalizam discursos anti-LGBTQIAPN+ e enfraquecem o senso de comunidade. A liberdade de expressão não é uma licença para o preconceito, mas um chamado à construção de um diálogo respeitoso e fundamentado em fatos.

É essencial que governos, organizações de saúde mental e a sociedade civil pressionem empresas como a Meta a reconsiderar essas políticas. Mais do que nunca, é preciso um esforço coletivo para proteger os avanços conquistados e garantir que o ambiente digital seja um espaço seguro e informativo para todos. O momento exige reflexão, ação e compromisso com a verdade, pois o bem-estar de milhões de pessoas – especialmente das mais vulneráveis – está em jogo.

Por Vitor Friary – Psicólogo, mestre em Psicologia pela London Metropolitan University e doutorando no Instituto Universitário de Lisboa, autor de livros publicados no Brasil e nos Estados Unidos, é diretor do centro credenciado de formação e tratamento em Mindfulness-Based Cognitive Therapy (MBCT) no Brasil