
A saúde virou um sinal de status. Mas não basta mais ser “apenas” saudável: é preciso que as pessoas saibam que você cuida ativamente da saúde. No livro de Michel Alcoforado, Coisa de Rico (Ed. Todavia), ele comenta que o rico só se percebe rico se o outro o reconhece como tal. E, agora, a ostentação não se revela só por relógios, bolsas, roupas e viagens. O mais novo item a ser exibido é justamente a saúde.
Só que não vale mais aquele cuidado básico de se alimentar bem, treinar com regularidade e zelar pelo sono e pelas emoções. O “novo cuidar” precisa ser mediado por protocolos, aparelhos ultramodernos, suplementos de luxo e novos exames que prometem antecipar qualquer risco – mas que, de ciência sólida, têm pouco, ou nada. Ainda que os dados sejam frágeis, argumenta-se que tudo é baseado nas “mais novas evidências científicas” – e é preciso deixar claro que tudo isso envolve muito gasto de dinheiro e tempo.
No momento em que a saúde deixa de ser um cuidado e vira ostentação, gerando necessidade de pertencer e estar por dentro das últimas novidades e do que é mais exclusivo, as pessoas viram presa fácil de profissionais charlatães. Esses indivíduos usam o jaleco branco e um viés de autoridade para lucrar – e lucram muito. A área da saúde está infestada – acredito que esta seja a palavra mais apropriada – de perfis, mentorias e cursos para profissionais “high-ticket”, que ensinam como gerar desejo nos pacientes e lucrar vendendo programas e protocolos milagrosos. A nutrição e a medicina estão cheias deles.
Vou ilustrar o caso real de uma paciente: ela me trouxe um laudo de teste genético com várias páginas, solicitado por uma endocrinologista, e disse: “Ela me entregou o resultado, mas não comentou nada.” Do laudo apresentado, pouco se podia realmente aproveitar. A maioria dos dados era uma extrapolação da ciência: a partir da avaliação de um único gene, já inferem que a pessoa tem baixo, médio ou alto risco de desenvolver determinada doença ou de se comportar de certo modo. Um absurdo. A paciente até ria, pois o exame indicava baixo risco de gostar de doces, e ela é “superformiga”. O teste mostrou também um baixo risco de ganho de peso, e ela tem sobrepeso. A parte nutricional era quase uma piada. Valor do exame? Mais de mil reais. Detalhe: conheço a empresa e sei que o profissional que prescreve pode chegar a ganhar de 30% a 40% do valor do total do exame.
Esse teste, em específico, avalia um único gene relacionado com certas doenças, enquanto outros exames avaliam painéis de quatro a 10 genes, o que se torna muito mais interessante. Mas sabe quantos genes estão relacionados com ganho de peso e a obesidade, por exemplo? Mais de mil variantes.
Outra febre é a soroterapia. Soros de vitaminas e minerais sendo vendidos por centenas de reais ou mais, com promessas vagas: mais energia, prevenção de doenças, “detox”. Esses profissionais se aproveitam do estado de exaustão das pessoas, que muitas vezes não tem nada a ver com carência de vitaminas, para vender uma solução pronta. Recentemente, uma mulher ficou 28 dias em coma após uma sessão.
A grande questão é que esses tratamentos só fazem sentido quando há deficiência comprovada, ou seja, na presença de exames que indiquem alterações reais. Para isso, a leitura desses resultados deve ser feita de forma correta, levando em conta o que a ciência estabelece como uma deficiência de verdade. Só que o charlatão dirá: se você sente cansaço, dificuldade de concentração, lapsos de memória ou libido baixa, o problema pode ser resolvido com a soroterapia. Agora, te pergunto: nos dias atuais, quem não preenche um ou mais desses critérios?
Quando a propaganda é direcionada a mulheres na perimenopausa ou menopausa, o cenário é ainda mais preocupante: elas estão vulneráveis, vendo o corpo mudar rapidamente, buscando qualquer alívio. Novamente: presas fáceis.
Saúde no simples
A verdade é que vivemos na era em que tudo tem que ter um plus. Não se pode mais tomar um café simples antes do treino, tem que ser super coffee. Não basta comer uma banana, tem que ser pré-treino em pó, sachê ou cápsula. Nada pode ser simples: tudo precisa vir com um boost, um rótulo, uma marca. E se for uma marca de luxo, melhor ainda, porque a escolha vira símbolo de pertencimento. A pessoa acha que está comprando saúde, mas é só a sensação de estar em um patamar acima. Virou mais um dos códigos da elite.
Dentro das tendências de luxo e saúde, a mais recente é da performance esportiva, em que maratonistas e praticantes das mais diversas modalidades contam com o que há de mais tecnológico em equipamentos, além de acompanhamento profissional digno de campeão mundial. Tudo para se distinguir dos demais e reforçar o acesso à exclusividade.
Mas fique tranquilo: se você não quer pertencer a esse circo, saiba que o básico funciona. E muito bem.






