Este artigo analisa criticamente a crescente resistência do Poder Judiciário em aplicar sanções morais significativas às instituições financeiras, mesmo diante de falhas evidentes na prestação dos serviços.
A partir do estudo de caso do processo nº 1042584-56.2023.8.11.0041, discute-se a fragilização do caráter pedagógico da indenização por danos morais e as consequências práticas da impunidade institucionalizada.
O sistema financeiro brasileiro, altamente lucrativo e tecnologicamente avançado, enfrenta, paradoxalmente, falhas frequentes na segurança de suas operações digitais.
As consequências dessas falhas recaem sobre os consumidores, que frequentemente são vítimas de fraudes sofisticadas. Em casos assim, a condenação em danos morais cumpre papel reparatório e pedagógico.
No entanto, observa-se, na prática, um movimento jurisprudencial que enfraquece a aplicação dessa sanção, reduzindo ou até mesmo afastando o dever de indenizar, como se verifica no caso em análise, apelação cível n. 1042584-56.2023.8.11.0041.
No processo mencionado, a consumidora foi vítima de fraude com acesso indevido à sua conta e contratação de crédito sem autorização.
Mesmo após notificação imediata ao banco, a instituição permaneceu inerte e ainda incluiu indevidamente o nome da cliente em órgãos de proteção ao crédito.
A sentença de primeiro grau reconheceu a falha e fixou indenização por dano moral.
Todavia, o Tribunal reformou parcialmente a decisão, reduzindo a indenização de R$ 20.000,00 para apenas R$ 7.000,00, o que levanta questionamentos quanto ao real alcance da punição e seu efeito pedagógico
A responsabilidade civil dos bancos, nos moldes do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), é objetiva. Isto significa que o fornecedor de serviços responde independentemente de culpa, bastando a existência do dano e do nexo causal. A jurisprudência do STJ é pacífica nesse sentido, como expressa a Súmula 479: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”
A tentativa dos bancos de se esquivarem da responsabilidade por fraudes digitais, atribuindo culpa à vítima, revela-se incompatível com o princípio da vulnerabilidade do consumidor, previsto no art. 4º do CDC.
Assim a indenização por danos morais deve cumprir dupla função: compensar a vítima e inibir novas condutas lesivas.
A redução drástica do valor fixado a título de dano moral, como no caso em análise, transmite uma mensagem perigosa ao mercado: a de que violar direitos fundamentais dos consumidores gera custos irrisórios às grandes instituições.
Este fenômeno fragiliza o papel preventivo do Direito Civil e compromete a função social das decisões judiciais.
Ao deixar de impor sanções compatíveis com a gravidade da conduta, o Judiciário legitima a negligência sistemática das instituições financeiras.
A decisão objeto deste artigo reflete um padrão que precisa ser revisto. A relativização do dano moral, especialmente quando praticado por bancos que falham em proteger seus próprios sistemas, desestimula boas práticas e perpetua a impunidade institucional.
Reforçar a função pedagógica da condenação é essencial para equilibrar a balança entre consumidores e instituições financeiras.
O Direito do Consumidor não pode se tornar letra morta diante da força econômica dos bancos. É imperioso resgatar o caráter exemplar da indenização por danos morais, não como forma de enriquecimento sem causa, mas como instrumento de justiça.
