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Delegado se impressiona com crimes contra idosos: “Muito triste”

Os maiores inimigos dos idosos podem estar dentro de casa. Cerca de 80% das ocorrências de violência contra este público ocorrem no ambiente familiar, de acordo com o delegado da Delegacia Especializada de Delitos Contra a Pessoa Idosa, Marcos Veloso. Entre eles, os mais comuns são negligência, abandono material, maus-tratos e apropriação de recursos.  

Eu nunca imaginei que eu fosse estar nesta delegacia e vivenciar o que eu vivo. Eu acho muito triste. É muito triste. Eu não sabia o tanto que é difícil envelhecer 

A Delegacia, que é responsável por todos os crimes relacionados ao Estatuto do Idoso em Cuiabá, recebe em torno de três denúncias por dia. A rotina na unidade policial, onde dramas familiares são expostos e a fragilidade das vítimas é evidente, impõe uma carga emocional a quem trabalha ali. Para o delegado, o sentimento é de tristeza.

Dos cerca de 600 inquéritos que estão na Delegacia, menos de 40 são de idosos que foram vítimas em locais públicos. 

“É dentro do ambiente familiar. É a esposa que maltrata o marido, o marido que maltrata a esposa, os filhos que negligenciam os pais, sobrinho com o tio. É no ambiente familiar. […] Infelizmente, uma coisa que chama atenção, é o idoso que não tem autossuficiência, não tem automoção, vamos falar assim, e confia no familiar que o prejudica”, diz. 

Ele destacou que a situação se agrava quando moram apenas o idoso e um familiar problemático na casa, pois o estado não possui nenhuma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) pública. 

“Você tem uma mãe com um filho dependente. A mãe sofre demais. O cara “noia”, quando está drogado, não cuida da mãe, que passa dois, três dias sem comer, sem tomar banho, sem fazer higiene. O que fazer? Eu tiro o filho dependente de lá, certo? E quem cuida da mãe se não tem um abrigo? Se tirar o filho problemático, por exemplo, a mãe fica sem e aí não tem onde colocá-la”, afirma. 

A grande maioria das denúncias recebidas são feitas a partir de vizinhos, já que as vítimas nunca querem denunciar os seus parentes. 

“A gente já tem na cabeça o que vai acontecer, certo? Você chega lá e fala: ‘Ah, mas a gente já fez uma pesquisa aqui no entorno, os vizinhos falam que seu filho é alcoólatra, tal, tal..’ e a mãe responde: ‘Ah, mas do jeito dele, ele é assim. Quando bebe, ele fica meio nervoso, mas ele não faz por mal’. Só que fez. Você vê a senhorinha toda machucada”, lamenta.

A Fundação Abrigo Bom Jesus é a única ILPI filantrópica. Todos os idosos acolhidos por ela são parte de algum grupo de vulnerabilidade, mas há fila de mais de 50 pessoas para entrar na instituição pelo Centro de Referência de Assistência Social (Cras). 

O papel da Delegacia é “ checar uma denúncia, constatar que ela é real, tipificar como uma ação delituosa, fazer um relatório e encaminhar para o juiz”. A partir disso, o Ministério Público se torna responsável pelo caso e decide a respeito do processo e condenação. 

“Isso que nos machuca. Nós é que temos contato e aí a gente começa a sofrer. A gente vivencia uma realidade, ou uma situação, que não é da nossa função direta resolver”. 

“Eu sou delegado há 35 anos, tenho 63 anos. Eu trabalhei em diversos lugares na Polícia, passei 11 anos na Gerência de Atividades Especiais (GOE). Nunca imaginei que eu fosse estar nesta delegacia e vivenciar isso. Eu acho muito triste. É muito triste. Eu não sabia o tanto que é difícil envelhecer. Eu não tinha a menor noção sobre isso”, diz. 

Além disso, o delegado admitiu que, muitas vezes, quanto mais dinheiro a pessoa tem, mais violência sofre por causa da briga patrimonial. Ele afirmou que há casos em que os filhos brigam pela herança do pai, mas se recusam a cuidar dele.

“Outra questão de violência financeira: o filho faz consignado no nome do pai, aí quando o pai vai receber aposentadoria, não tem aposentadoria, está tudo pendurado no consignado. Tem muito, tem muito. Aí o idoso não tem dinheiro nem para comprar remédio”. 

A esperança de melhora de muitas dessas situações está nas ILPIs públicas em fase de implementação por meio do Governo do Estado, de acordo com Marcos Veloso. Ele afirmou que serão seis unidades no estado, cada uma com capacidade para 104 idosos morarem e 50 serem acolhidos por dia. 

Para denunciar, a pessoa pode discar 100 e falar com o Ministério da Justiça ou 197 para entrar em contato diretamente com a Polícia Civil. O delegado ainda destacou que não é necessário se identificar.

Fonte: MidíaNews