
A população negra brasileira representa um potencial de consumo enorme, movimentando mais precisamente R$ 1,9 trilhão por ano. São cerca de 112 milhões de pessoas, em torno de 55,5% da população do país. No entanto, quando se fala em mercado, essa população ainda não se vê totalmente acolhida: 6 em cada 10 brasileiros negros percebem discriminação nas compras e serviços.
Os dados são da pesquisa “O Consumo Invisível da Maioria: Percepções, gatilhos e barreiras de consumo da população negra no Brasil”, realizado pelos institutos Akatu e DataRaça, e ajudam a traçar um panorama do problema no país. A pesquisa foi realizada em outubro deste ano e ouviu cerca de 1000 pessoas de maneira online.
Para Lucio Vicente, diretor geral do Akatu, o estudo rompe o mito de que o racismo se limita a esferas institucionais: ele se manifesta nas relações diárias entre clientes e marcas. “As empresas falam sobre diversidade em seus discursos, mas, na prática, essa maioria continua invisível nas relações de consumo, no atendimento, nos produtos e nos serviços. O racismo no consumo é velado, com casos de discriminação sendo sutis ou camuflados, corroendo a experiência de compra e a confiança”, aponta.
Entre os entrevistados que afirmam já terem sofrido discriminação, 24,5% apontam que lojas de roupas, calçados, perfumaria e acessórios são o principal cenário de discriminação na hora de consumir. Shoppings centers aparecem em segundo lugar, com 17% das menções, e os supermercados fecham o pódio, com 16% das respostas.
Na contramão de quem não enxerga o potencial de consumo da população negra, a empreendedora Nataly Sgoviah fez deste o seu principal público. Ela, que tem um salão de beleza e duas marcas próprias de produtos voltados para os cabelos, afirma que 85% da sua clientela é formada por mulheres negras. Além de corte e coloração, muitas delas vão atrás de tratamentos para caspa, dermatites ou queda capilar causada pelo uso de tranças.
“Quando comecei, há quase dez anos, havia muita carência de serviços para esse nicho. Além de não existir muitos espaços, a maioria era voltada para relaxamento à base de produtos químicos. Eu quis trazer não apenas a questão do corte, mas também a pegada de produtos mais naturais, e menos agressivos, focados em problemas que as clientes enfrentavam no cotidiano”, explica.
O negócio vem dando certo e, hoje, ela fatura entre R$ 150 mil e R$ 200 mil por mês com seus serviços e produtos. Ela, que já capacita profissionais do ramo, planeja abrir uma academia de cursos que também poderão ser acessados pelos clientes, para que eles aprendam a cuidar dos cabelos em casa.
“Também já estamos expandindo a venda de nossos produtos. Abrimos cadastro para que pessoas físicas e salões possam revender nossos produtos. Já são mais de 20 estabelecimentos país afora. Temos uma demanda especialmente grande de São Paulo, Rio de Janeiro, Natal e Salvador”, aponta.
Para Maurício Pestana, presidente do Instituto DataRaça, empresas que olham para esse nicho de consumo negro ampliam mercados, reduzem riscos e movem a economia. “Elas ainda abrem portas para a exportação para mercados africanos e para a diáspora negra em outros países. Incluir não é um gesto social, é uma estratégia econômica de crescimento”, garante.
A pesquisa* também lista os principais pontos positivos e negativos apontados pelos consumidores negros em relação às marcas.
Os motivos mais citados para avaliações positivas:
- Existem pessoas negras nas propagandas: aparecem em todos os setores (de 13% a 15%)
- Serve bem para a população negra: segunda mais citada (em torno de 12%)
- Mostra pessoas negras de vários jeitos / de forma adequada e sem estereótipos: presente em vários setores (entre 11% e 12%)
Os motivos mais citados para avaliações negativas:
- Usa cultura negra de forma superficial: é a crítica mais frequente (em média 14% a 18%)
- Não faz campanhas de igualdade / não apoia causas e movimentos: aparece em quase todos os setores (em torno de 13% a 15%)
- Não tem negros em cargos importantes / quase nunca tem negros nas propagandas: muito presente em diversos setores (11% a 13%)
*Fonte: “Consumo Invisível da Maioria: Percepções, gatilhos e barreiras de consumo da população negra no Brasil”, realizado pelos institutos Akatu e DataRaça





