
“Deixa pra lá.” Três palavrinhas que, segundo a especialista norte-americana em mudança comportamental Mel Robbins, têm o poder de transformar a forma como lidamos com as pessoas e com a vida. No recém-lançado Deixa Pra Lá: A Teoria Let Them (Editora BestSeller), a autora norte-americana defende que tentar controlar o comportamento dos outros — e tudo o que está fora do nosso alcance — é uma das principais fontes de estresse, frustração e perda de energia emocional.
Segundo essa teoria, quando alguém nos decepciona, discorda ou age de um jeito que não gostamos, a melhor resposta pode ser simplesmente não reagir. “Quando você para de tentar mudar as pessoas, ganha fôlego para cuidar de si mesmo”, escreve Mel. O “deixa pra lá” é uma forma de libertar-se da ilusão de controle e abrir espaço para o que está, de fato, sob nossa responsabilidade: atitudes, valores e escolhas.
O raciocínio parece simples, mas colocá-lo em prática está longe de ser fácil. Desirée Cassado, psicóloga e professora da The School of Life Brasil, explica que tentar controlar o outro reduz a angústia no curto prazo. Diante do imprevisível, buscamos uma sensação imediata de ordem — por isso corrigimos, explicamos, insistimos. “Funciona por alguns minutos, e é assim que se torna um hábito. Para abrir mão disso, precisamos tolerar o ‘não sei’: não sei como o outro vai reagir, não sei se serei correspondida, não sei se vai dar certo. E esse exercício de conviver com o imponderável é emocionalmente exigente”, afirma.
Para Yuri Busin, psicólogo e doutor em neurociência do comportamento, a dificuldade está diretamente ligada ao funcionamento cerebral. “Nosso cérebro busca previsibilidade e se sente confortável quando entende causas e efeitos. Quando algo foge desse domínio, o sistema límbico interpreta como ameaça”, afirma. A tentativa de controle seria uma forma de reduzir a ansiedade diante da incerteza.
“O problema é que essa sensação de comando é, na maioria das vezes, uma ilusão. Na prática, temos muito menos poder sobre as situações do que gostaríamos. E quanto mais tentamos dominar o incontrolável, mais nos desgastamos. Aprender a soltar esse impulso é um exercício de maturidade psicológica: compreender que o controle absoluto é incompatível com a vida real”, ressalta Busin.
Custo emocional
Seja com o parceiro, o filho, um colega de trabalho ou um amigo, o impulso de “ajustar” o outro tem um preço alto. “Quando viro auditora do comportamento alheio, a relação perde ar: há menos curiosidade e mais defesa; menos encontro genuíno e mais disputa de regras”, avalia Desirée. “A confiança se enfraquece, o outro passa a se esconder de mim e, com a distância, tento controlar ainda mais. É um ciclo sem fim. Paradoxalmente, quanto mais ‘arrumo’ o outro, mais me afasto da pessoa que desejo ser naquela relação.”
Além de desgastar os vínculos, o controle excessivo rouba energia de outras áreas da vida. “Quando investimos em moldar o outro, abrimos mão do que de fato podemos regular: nossos limites e respostas”, diz o psiquiatra João Pedro Wanderley, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “Clinicamente, isso se traduz em exaustão, ressentimento e hipervigilância”, alerta o especialista, enfatizando a necessidade de, em caso de sofrimento persistente, procurar acompanhamento profissional para avaliar o padrão de comportamento e desenvolver formas mais saudáveis de convivência.
Aprender a soltar
Para lidar com a frustração do que não controlamos, Desirée sugere uma pausa reflexiva, um microintervalo entre emoção e ação. “Pause, volte ao corpo e reconheça o impulso: ‘veio a vontade de consertar’. Dar nome a ele já abre uma fresta. Então, se pergunte: ‘Quem quero ser aqui?’ A partir daí, tente transformar a reação em algo simples e concreto: uma crítica vira um pedido específico; um sermão, um combinado observável; a insistência, um limite claro sobre o que fazer”, recomenda.
Outra estratégia é treinar o músculo do “não sei” em doses graduais: não corrigir detalhes irrelevantes, aceitar um atraso pontual, adiar a resposta imediata a um e-mail. “É exposição intencional à incerteza. No final, voltamos àquela máxima: é preciso escolher com sabedoria suas batalhas e, mais importante, saber quem você quer ser enquanto parceiro, pai e mãe, filho, amigo”, recomenda.
A especialista reforça ainda a importância de identificar o que realmente está sob o nosso poder. “É preciso entender qual é a parte que me toca. Pode ser a forma como faço meus pedidos, o tom, os acordos e a previsibilidade que ofereço. Em casa, menos bronca e mais estrutura: combinados visíveis e consequências proporcionais, sem humilhação. No trabalho, contratos claros: quem faz o quê, até quando, como revisamos. Também é possível escolher tolerar pequenas imperfeições para concentrar esforços no que é essencial”, diz.
Aqui vale atenção à diferença entre aceitação e conformismo. “Aceitar é abrir espaço para o incômodo e agir de acordo com o que é importante; se conformar é encolher-se para evitar desconforto enquanto o dano persiste”, resume.
Afinal, não se trata de “deixar pra lá” por princípio, e sim de direcionar o que temos de melhor para o que realmente importa. Como lembra Mel Robbins, quando você para de tentar controlar o que não lhe cabe, deixa de desperdiçar energia e retoma seu tempo, sua paz de espírito e seu foco. E percebe que sua felicidade depende de suas próprias ações — e não do comportamento, das opiniões ou do humor de qualquer outra pessoa.
Fonte: Estadão





