
Pressionado pelo avanço da pauta de oposição na área de segurança pública, o Palácio do Planalto intensificou nessa segunda-feira os esforços para tentar adiar a votação de proposta, marcada para esta terça-feira na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que equipara grupos criminosos a terroristas. A ideia é esvaziar esse texto para tentar emplacar o “projeto de lei antifacção”, que prevê um tipo penal específico para essas organizações criminosas.
Durante a tarde e a noite de segunda, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), ligou para parlamentares com o objetivo de persuadi-los a barrar a sessão. Em outra frente, a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva busca o controle da CPI do crime organizado para evitar o desgaste político com o tema. A instalação também está marcada para esta terça-feira.
Esvaziamento como meta
A tipificação de “facção criminosa”, incluída de última hora no projeto do governo, teve como estratégia justamente enterrar o texto que trata integrantes de grupos como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) como terroristas.
O cálculo no Planalto é que, aliado à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, enviada em abril, o texto contempla os principais pontos defendidos pela oposição no projeto que altera a Lei Antiterrorismo.
Na prática, equiparar as facções criminosas a grupos terroristas resultaria em penas maiores para seus integrantes e, obrigatoriamente, uma atuação mais efetiva das forças federais para combatê-las.
As punições mais severas, na visão do governo, estão previstas no projeto de lei antifacção, que também amplia os instrumentos de investigação à disposição das forças de segurança, como a possibilidade de contar com infiltrados e empresas fictícias nas redes criminosas e o perdimento antecipado de bens. Já a participação mais efetiva da União na segurança é uma das premissas da PEC.
Desta forma, avaliam aliados de Lula, o governo evita possíveis efeitos colaterais de se equiparar facções criminosas a grupos terroristas. Segundo governistas, admitir a presença de grupos terroristas no país poderia abrir brechas para intervenções externas no Brasil.
Após a CCJ marcar a votação do projeto ligado à oposição, houve forte reação da base do governo.
— É um absurdo que isso seja pautado antes da lei antifacção. Chega a ser uma piada em um momento sério. A lei antifacção tem uma pena maior na pena mínima do que a do terrorismo. Qual é o sentido? Vulnerabilizar o princípio da nossa soberania, e incitando a agressão de um outro país — contestou o líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (PT-RJ).
Já a oposição, além de ter se movimentado na CCJ, quer que a iniciativa do governo tramite junto ao PL que altera a lei de terrorismo. Regimentalmente, os textos seriam “apensados” e caberia a um relator definir uma redação para ir a plenário.
Na CCJ, o relator é o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), que já declarou que, se o texto passar ao plenário, ficará sob responsabilidade do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite. Ele é deputado licenciado pelo PP e deverá reassumir o mandato temporariamente.
Os governistas consideram a possibilidade de apensar um projeto ao outro um “absurdo” e dizem que vão lutar contra essa hipótese. A gestão Lula busca evitar possíveis efeitos na nova classificação das facções. Isso acontece porque, ao declarar oficialmente uma organização como terrorista, o Estado reconheceria que ela constitui uma ameaça à segurança global, o que poderia justificar ações mais invasivas como as realizadas pelos Estados Unidos em países como Paquistão, Iêmen e Somália. Os EUA, por exemplo, usam o conceito da “extraterritorialidade” para atacar grupos terroristas em nações onde não têm jurisdição.
Além da questão da soberania nacional, o governo entende que a medida pode impactar a ordem econômica. Os países que abrigam terroristas podem ficar sujeitos a sanções contra bancos e empresas; fundos privados possuem cláusulas que dificultam investimentos em locais onde há a presença dessas organizações e, devido ao aumento do risco, o preço dos seguros costuma ser mais elevado.
CPI: luta por espaço
Já na CPI do crime organizado, a direita tenta cooptar o colegiado e transformá-lo em um palanque político, num movimento que amplia a pressão sobre Lula.
No Senado, a CPI nasce com maioria oposicionista. Proposta pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE) e autorizada por Davi Alcolumbre (União-AP), a comissão investigará a atuação de facções e milícias, em meio à repercussão da operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, que deixou 121 mortos.
A oposição tenta emplacar Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na presidência e aposta em usar o colegiado como palanque para reforçar o discurso de endurecimento contra o crime. A base do governo ainda tenta reverter a composição para evitar uma derrota semelhante à da CPI do INSS, que acabou dominada por senadores independentes e oposicionistas.
O preferido dos senadores petistas para assumir a presidência do colegiado é Fabiano Contarato (ES), que é delegado da Polícia Civil e tem bom trânsito, inclusive, com a oposição da Casa. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), deve ser indicado para compor a CPI e poder atuar nos embates com os bolsonaristas.
Fone: O Globo





