
Quando se trata de idosos, tanto a obesidade quanto o baixo peso preocupam. O melhor é o perfil do meio – e tudo bem se ele for um pouco mais rechonchudo. “A gente tem uma licença para ganhar peso depois dos 60 anos”, garante a nutricionista Myrian Spinola Najas, professora sênior de Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
Najas explica que o ganho de massa gordurosa é esperado nesse período da vida devido, principalmente, às alterações hormonais. Ao mesmo tempo, existe perda de reserva muscular (cerca de 10% por década a partir dos 50 anos) e diminuição de estatura (1 centímetro a menos por década a partir dos 40 anos).
Com isso, o índice de massa corporal (IMC), ferramenta amplamente utilizada para indicar se uma pessoa está abaixo do peso, com peso normal, sobrepeso ou obesidade, tende a ter a faixa considerada “normal” ampliada em pessoas mais velhas. A fórmula do IMC de dividir o peso pela altura ao quadrado é alterada com a idade porque o dividendo (a gordura) pesa mais que o músculo, e porque o divisor (a altura) vai literalmente baixando com o tempo.
Então, se a variação normal nessa faixa para uma pessoa mais jovem fica entre 18,9 e 25, para o idoso ela vai de 22 para 27.
“Quando meu paciente está bem e ativo, sem comorbidades, e só a família quer que ele emagreça, eu fico do lado do vô e da vó que desejam ficar gordinhos como estão”, afirma Emilio Hideyuki Moriguchi, professor de geriatria no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. Mas, cabe reforçar: estar acima do peso é diferente de apresentar obesidade.
No último Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica (CBOSM 2025), realizado em Belo Horizonte, especialistas frisaram que a obesidade é mais do que um fator de risco: é uma doença por si só, e tem mecanismos diretos que podem afetar outros órgãos além do tecido adiposo, inclusive o coração e os vasos sanguíneos.
Mogiruchi destaca, porém, que as consequências mais dramáticas desse quadro são observadas entre os 20 e 29 anos. Ele se apega ao que mais lhe importa como médico: o impacto de uma doença do ponto de vista da saúde individual e coletiva. Por isso, lembra que a primeira causa de morte e incapacidade precoce em todas as faixas etárias é justamente a doença cardiovascular, representada no seu clímax fatídico pelo infarto e pelo AVC.
O geriatra cita gráficos presentes em um estudo publicado em 2022 na Frontiers of Cardiovascular Medicine por pesquisadores da Coreia do Sul. Os dados revelam que, entre 20 e 29 anos, diante de um IMC acima de 30, que indica obesidade, há um aumento três vezes maior do risco de morrer de infarto ou AVC. Esse risco diminui em cerca de duas vezes entre 30 e 40 anos. Depois dos 60 anos e especialmente acima dos 70, segundo a pesquisa, a escala relacionando idade, IMC e risco para doenças cardiovasculares cai para um nível diminuto em comparação com a primeira metade da vida.
“O grande segredo é cuidar do peso desde jovem porque o maior impacto da obesidade nessas doenças letais é entre 20 e 30 e entre 30 e 40 anos”, resume Mogiruchi. “Eu, que sou geriatra, sei que a prevenção na geriatria começa na infância”, afirma, o que justifica sua preocupação com a cultura do fast food. “Durante a semana, o jovem come hambúrguer com batata frita e bebe refrigerante e, no fim de semana, vai a uma pizzaria para se encontrar com os amigos, quando bebe mais refrigerante.”
Isso não significa carta branca para alavancar os ponteiros da balança a partir dos 60 anos, claro. Até porque a obesidade muitas vezes anda de mãos dadas com uma série de outros problemas de saúde, como destacado no CBOSM 2025. “Se tiver comorbidades como hipertensão, diabetes e artrose, sim, vamos fazer algo para emagrecer”, ressalva.
Obesidade é inflamação de baixo grau
Marcelo Valente, diretor da SBGG e professor de Geriatria da Santa Casa de São Paulo e da Faculdade de Medicina do ABC, lembra que a obesidade é uma inflamação sistêmica crônica de baixo grau. “Toda a parte metabólica fica pior com um IMC acima de 30”, diz. “A obesidade aumenta o risco de a pessoa desenvolver diabetes ou hipertensão, de ter seus níveis aumentados de ácido úrico, o que pode levar à gota, de desenvolver apneia do sono, de ter alguns tipos de câncer, como o de estômago, intestino e tireoide, e de apresentar osteoartrite de joelho e quadril”, elenca.
Em termos de extensão populacional, a obesidade também afeta muita gente a partir dos 60 anos no Brasil. Estima-se que entre 20% e 30% desse grupo – aproximadamente de 6,5 a 9,5 milhões de pessoas, considerando os cerca de 32 milhões de idosos computados pelo IBGE em 2022 – sofram com o que já se considera uma epidemia global.
Em nome, então, de uma melhor qualidade de vida para um grande contingente de cidadãos, a primeira indicação médica para perder peso é modificar o estilo de vida, o que não é coisa fácil numa faixa etária pouco afeita a mudanças em geral.
Se a pessoa obesa é sedentária, exercícios aeróbios e de resistência estão no rol das novas condutas. Mas, para conseguir uma boa adesão, é preciso o acompanhamento de um fisioterapeuta ou educador físico, que bolará um programa de exercícios individualizado e supervisionará a evolução da pessoa. “Não dá pra falar ‘desce na academia do prédio e vai levantar peso’ porque o idoso pode se lesionar”, alerta Valente. E aí, para abandonar o que mal começou, é um clique.
Estratégias alimentares para perder peso sem sacrificar os músculos também constam na lista. E um outro profissional, desta vez um nutricionista, pode garantir melhores resultados, pois a ideia é modelar a dieta da pessoa para que ela não fique com mais deficiências dos que as que provavelmente já tem. Perder peso abruptamente pode acentuar a sarcopenia, que é a perda progressiva da massa e da força muscular a ponto de o indivíduo enfrentar sérias dificuldades para fazer movimentos básicos do dia a dia – e ainda ficar sujeito a quedas.
“O idoso, especialmente aquele que mora sozinho, tem uma alimentação supermonótona”, afirma Myrian. “Ele não vai cozinhar arroz, feijão, carne e legumes variados só pra si, não vai preparar salada nem comer frutas diferentes ao longo da semana”, diz ela. O que vai comer? “Carboidrato, basicamente”, sublinha a nutricionista.
O cardápio tende a ficar centrado em pães ou bolinhos, sorvetes e massas ultraprocessados, quando não em sanduíches hipercalóricos, gordurosos, carregados de sódio e também ultraprocessados presentes em redes de fast food. Ela ressalta que os combos dessas lanchonetes atraem os idosos principalmente por serem macios, já que a dificuldade de mastigação é comum nessa faixa etária.
Para completar, “infelizmente, os mais velhos vêm sofrendo com a afirmação de que leite faz mal e perdem uma fonte proteica, como se todo mundo tivesse intolerância à lactose”, diz.
E há que se ter cuidado com os suplementos da vez, destacam especialistas. Novamente, o recomendado é individualizar. “A creatina, por exemplo, sequestra água do corpo para dentro do músculo, mas pode causar complicações para a pessoa se ela não se hidratar – e idoso, você sabe, não gosta de tomar água”, afirma a nutricionista.
“O jovem, quando exagera nos modismos aos 30 anos, pode se recuperar depois porque ele tem muito hormônio e músculo, mas o idoso não tem esse arsenal nem esse tempo”, acrescenta.
Os idosos e as canetas emagrecedoras
Outro produto que vêm sendo muito requisitado nos consultórios dos geriatras são as canetas para emagrecimento. Para Valente, embora não haja estudos conclusivos sobre suas consequências nos idosos, elas podem ser usadas com parcimônia, desde que se entenda o retorno positivo que podem trazer. “Se, ao perder peso, o paciente tem uma melhora na dor que está sentindo no joelho, se o diabetes está mais bem controlado, o benefício pode ser superior aos efeitos colaterais”, diz. Por efeitos colaterais nesse caso, entende-se, por exemplo, tontura, fraqueza, náusea e hipoglicemia.
Já Myrian destaca que a velocidade da perda de peso propiciada pelas canetas com semaglutida, liraglutida e tirzepatida pode levar à perda de músculo para o idoso, se não for acompanhada de perto. Pacientes seus chegaram de bengala depois de um tempo sumidos do consultório porque usaram esse tipo de remédio e perderam 10 quilos em três meses. “É adiantar uma sarcopenia que a pessoa talvez viesse a ter dali a uns 10 anos por uma questão, na maioria das vezes, de vaidade.”
Outro ponto é a aplicação intermitente das canetas em função do seu custo. Embora fabricantes venham anunciando redução dos preços de algumas versões nos últimos tempos, elas continuam acima do poder aquisitivo da maioria da população, que encampa o tratamento já sabendo que vai interrompê-lo dali a quatro ou cinco meses, antes que o corpo se acostume com a nova condição, o que pode levar dois ou três anos.
“Se a pessoa não mudar de hábitos, vai ser difícil sustentar o novo peso porque o organismo entende que ele está abaixo do normal e vai querer recuperar o que perdeu”, diz Valente. “Isso, infelizmente, virou fórmula mágica”, define Mogiruchi. “É o que os americanos chamam de quick fix, ou conserto rápido, algo que não existe na saúde. Especialmente na saúde dos idosos.”
Fonte: Estadão