O envelhecimento pode ser entendido como uma fase natural do desenvolvimento humano, que se caracteriza por uma lenta, gradual e difusa perda de função. Essas perdas são difusas porque cada célula, tecido, órgão e sistema pode ser afetado em ritmos diferentes ao longo da vida, e de maneiras distintas de uma pessoa para outra. Também sabemos que o envelhecimento não ocorre de forma constante ou linear — há momentos em que o comprometimento das funções é mais rápido e, em outros, mais lento.
Uma característica indissociável do envelhecimento é sua inexorabilidade. Se tem algo que não conseguimos fazer é impedi-lo, embora todos os dias alguém tente vender a ideia contrária. Como dizem, a única maneira de não envelhecer é não estar vivo – então, que envelheçamos o máximo possível! Mas há muito a ser feito para vivenciar esse processo relativamente bem.
O primário refere-se à deterioração gradual e inevitável da estrutura e da função orgânica, que se inicia ao nível celular e tecidual, mas com impacto também na funcionalidade dos órgãos, dos sistemas e do corpo como um todo. Tratam-se de processos biológicos intrínsecos, próprios da vida, que nada têm a ver com doenças, comportamento ou estilo de vida. São, portanto, absolutamente inevitáveis. Já o envelhecimento secundário diz respeito à deterioração de estrutura e função que decorrem da história de vida da pessoa, da sua interação com o ambiente e de fatores comportamentais.
Agora, se não é possível fazer nada para evitar o envelhecimento primário, a não ser torcer para ter sido agraciado pela loteria genética (sim, fatores ligados ao nosso DNA têm muita influência nesse aspecto), não é difícil perceber que há muitas formas de minimizar o secundário.
Essas estratégias de mitigação do envelhecimento secundário certamente são familiares a muitos leitores, já que são insistentemente pregadas pelos bons profissionais da saúde: evitar exposição à radiação e poluentes, alimentar-se de forma equilibrada, fazer exercícios físicos regularmente, descansar bem, realizar avaliações de saúde com certa frequência, entre outras.
Perceba que, para evitar o envelhecimento secundário, ou melhor dizendo, para envelhecer com saúde, não é preciso se submeter às caras e muito questionáveis terapias “anti-aging”. Terapias essas frequentemente compostas por hormônios, vitaminas em excesso e agentes antioxidantes, que não têm qualquer embasamento científico, e que já foram proibidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
Por que o exercício é fundamental
Quero dar ênfase, como sempre, no exercício físico, e em como ele pode auxiliar a frear o envelhecimento secundário.
Começando pelo mais óbvio: muitas das perdas funcionais do envelhecimento estão ligadas à redução das capacidades físicas, tais como força, potência muscular, perda de mobilidade articular e de aptidão física aeróbia. Um bom programa de treinamento que inclua exercícios de força, atividades aeróbias, alongamentos e exercícios de mobilidade são obviamente capazes de prolongar a funcionalidade por muitos anos.
Vale destacar que, com o tempo, os músculos tornam-se resistentes a estímulos anabólicos. Na prática, isso representa uma perda progressiva de massa muscular, situação que pode culminar na chamada sarcopenia – doença associada a um maior risco de mortalidade entre idosos. Pois o treinamento de força é uma das melhores, se não a melhor, estratégia para evitar esse problema. Claro, o treinamento de força também é tratamento de primeira escolha quando esse quadro já está instalado.
Portanto, embora a musculação seja frequentemente associada a melhorias estéticas, os benefícios mais importantes são de ganho de saúde e de anos de vida vividos com qualidade e funcionalidade. Não à toa, estudos indicam menor mortalidade e morbidade em pessoas com mais força muscular.
Outra alteração menos óbvia, mas não menos importante, é a perda da quantidade e da qualidade das mitocôndrias, organelas responsáveis pela síntese de ATP (leia-se: energia) dentro das células. As mitocôndrias, que têm DNA próprio, vão acumulando danos e mutações em seu DNA ao longo da vida, o que resulta em função de respiração celular cada vez pior. Quanto mais crítica a função mitocondrial, mais radicais livres ela gera. Essas moléculas instáveis causam ainda mais danos ao DNA e a outras moléculas importantes. É um ciclo vicioso, mas que pode ser quebrado com o melhor estímulo que conhecemos para favorecer a função mitocondrial: o exercício físico aeróbio.
Esse tipo de treinamento melhora a utilização de oxigênio, reduzindo a formação dos radicais livres. O efeito do exercício aeróbio sobre a capacidade mitocondrial de utilizar oxigênio é tão expressivo que o consumo de oxigênio (o famoso VO2 máximo) de uma pessoa treinada de 80 anos de idade se equipara ao de uma pessoa sedentária de 50 anos! Esse efeito não resulta apenas em mais e melhores mitocôndrias, mas em coração e vasos sanguíneos igualmente mais funcionais e eficientes.
Os efeitos do exercício sobre o envelhecimento secundário extrapolam em muito a força muscular, as mitocôndrias e a aptidão física aeróbia. Eles se estendem aos nervos, aos tecidos conjuntivos, aos ossos, ao equilíbrio, à redução do risco de quedas e à diminuição da probabilidade de se chegar a um quadro de fragilidade com o envelhecimento. Na dúvida, fuja dos soros anti-aging – mas não deixe de treinar.
Fonte: Estadão