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‘Estamos diante de uma revolução silenciosa’, afirma geriatra sobre envelhecimento ativo

Wilson Jacob Filho no Summit Saúde e Bem-Estar Foto: Helcio Nagamine/Estadão

Erra quem imagina que (apenas) aumentamos a expectativa máxima de vida do ser humano. O que realmente conquistamos foi o direito de mais pessoas envelhecerem, defendeu o geriatra Wilson Jacob Filho em sua fala no Summit Saúde e Bem-Estar,  nesta terça-feira, 21.

Os dados mostram que, em apenas um século, a população mundial passou de 2 bilhões para 8 bilhões de pessoas e a expectativa média de vida saltou de menos de 50 para mais de 80 anos.

Em tom reflexivo, Jacob Filho celebrou o fato de vivermos mais, mas lembrou que essa conquista exige uma nova forma de organização coletiva. Afinal, estamos colocando novos elementos dentro do ciclo da vida. Nós não prolongamos a gestação, não prolongamos a infância, não prolongamos a adolescência, mas prolongamos o envelhecimento.

“Estamos diante de uma revolução silenciosa”, disse o geriatra, que é professor na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da Unidade de CardioGeriatria do Instituto do Coração (InCor). “Pela primeira vez, há mais pessoas vivendo o envelhecimento de forma ativa, produtiva e conectada — algo impensável há poucas décadas.”

Ele resgatou a transformação cultural que acompanha esse fenômeno. “Na minha juventude, aos 50 anos já se falava em ‘crepúsculo da existência’. Hoje, uma mulher de 85 é capa de revista e símbolo de vitalidade”, brincou, mostrando como o envelhecimento ativo vem mudando a percepção social da idade.

Isso reflete a própria visão da Organização Mundial da Saúde (OMS), que desde 2015 define o envelhecimento saudável como a capacidade de “manter o bem-estar físico, mental e social ao longo da vida” — e não apenas a ausência de doenças.

“A idade cronológica é apenas um detalhe na vida das pessoas”, destacou Jacob Filho, citando a ex-diretora-geral da OMS, Margaret Chan.

Idade funcional x idade cronológica

Durante a pandemia de covid-19, um estudo no InCor analisou mais de cinco mil pacientes acima de 50 anos internados com o vírus. O estudo mostrou que o fator determinante para a sobrevivência não era a idade cronológica, e sim a idade funcional — medida pela capacidade de realizar atividades cotidianas e de manter a autonomia.

“Pacientes idosos com boa funcionalidade tiveram mortalidade semelhante à de adultos mais jovens”, explicou o geriatra. Por outro lado, pessoas da mesma faixa etária, mas já com perda funcional, apresentaram mortalidade muito mais alta.

Os resultados reforçam que o envelhecimento é um processo individual e, para o médico, “quem tenta colocá-lo na mesma caixa comete um erro crasso”.

“Nós nos tornamos cada vez mais diferentes um do outro na medida em que envelhecemos. Envelhecer na Amazônia é diferente de envelhecer em São Paulo ou em Porto Alegre ou em qualquer outro local.”

Envelhecimento: conquistas e custos

O envelhecimento populacional traz ganhos civilizatórios incontestáveis — mas também desafios econômicos e de sustentabilidade.

Enquanto países desenvolvidos, como Suécia e Inglaterra, levaram cerca de um século para duplicar sua população idosa, outros como Brasil e China farão isso em menos de 20 anos, o que cria uma pressão inédita sobre os sistemas de saúde, previdência e cuidados.

Entre os novos desafios da longevidade, Jacob Filho destacou também um fator muitas vezes negligenciado: o impacto das mudanças climáticas sobre o envelhecimento. “Sabemos que ondas de calor extremo afetam diretamente a saúde de pessoas idosas, especialmente nas grandes cidades, onde há menos árvores, sombra e ventilação natural”, alertou.

Um estudo de longo prazo realizado em Taiwan acompanhou 25 mil pessoas durante 15 anos e mostrou que as ondas de calor aceleram o envelhecimento biológico tanto quanto fumar ou levar uma vida sedentária.

Etarismo e ‘carga do cuidado’

As transformações demográficas alteraram também a estrutura familiar. “Antes, as famílias tinham um idoso, dois adultos e quatro crianças. Hoje, muitas têm quatro adultos e uma criança”, observou o médico. Esse novo arranjo redistribui o cuidado e amplia o papel das mulheres, que continuam sendo as principais cuidadoras de idosos, muitas vezes em prejuízo da própria saúde, renda e carreira.

Jacob Filho também denunciou o etarismo — discriminação por idade — como uma forma de violência silenciosa, mas com alto custo social e econômico. “O etarismo reduz a expectativa de vida em até sete anos e meio e aumenta os gastos com saúde”, disse.

Um estudo norte-americano estima que um em cada sete dólares gastos em saúde nos EUA está relacionado a comportamentos e efeitos do preconceito etário. “Além de viverem menos, as pessoas discriminadas por idade vivem pior e gastam mais com doenças evitáveis”, afirmou. “O etarismo é um crime — e deve ser combatido como tal.”

Por isso tudo, é preciso que a educação para o envelhecimento saudável comece ainda na infância. “Precisamos ensinar crianças e adolescentes a entenderem que envelhecer faz parte da vida, e que viver mais é uma conquista coletiva, não um fardo individual.”

A abordagem deve ser multissetorial e sustentável, baseada em planejamento de longo prazo e solidariedade social. “Não se trata do meu interesse ou do seu, mas do interesse coletivo. Precisamos de sustentabilidade social e econômica para envelhecer com dignidade.”

Fonte: Estadão