
Com a relação deteriorada com o Palácio do Planalto, o Congresso ensaia abrir nova frente de desgaste para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois da derrubada de vetos importantes em pautas como o licenciamento ambiental e a dívida dos estados, líderes da oposição e partidos de centro passaram a articular, em diferentes comissões, a retomada de assuntos nos quais o Executivo tem dificuldade para fazer valer sua vontade. O foco agora recai sobre dois temas com risco de novas derrotas para o governo: a política indigenista e a agenda de segurança pública.
No radar imediato estão a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca fixar um marco temporal para barrar novas demarcações, projetos destinados a anular portarias recentes que concederam o direito sobre terras aos indígenas, além das votação da PEC da Segurança Pública e do projeto antifacção. As duas últimas iniciativas foram sugeridas pelo governo, mas podem sofrer profundas modificações.
A PEC do senador Dr. Hiran (PP-RR), que fixa 5 de outubro de 1988 como marco para a ocupação das terras indígenas, tornou-se a principal aposta da bancada ruralista no Senado. A proposta altera o artigo 231 da Constituição e ganhou tração após o governo intensificar demarcações nos últimos meses, inclusive anunciando novos atos durante a COP30.
Parecer favorável
O senador Esperidião Amin (PP-SC) apresentou parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e líderes partidários passaram a tratar o tema como prioridade para as próximas semanas. O movimento ocorre às vésperas de o Supremo Tribunal Federal (STF) retomar, de forma virtual, a análise das ações sobre o marco temporal entre os dias 5 e 15 de dezembro, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes.
Embora o STF já tenha considerado a tese inconstitucional, parlamentares buscam restabelecê-la por meio de uma alteração constitucional, numa estratégia para emparedar os demais Poderes e reverter decisões recentes.
Além da PEC, deputados e senadores articulam a votação dos chamados “projetos de decreto legislativo” para derrubar portarias editadas pelo Ministério dos Povos Indígenas e pela Funai que tratam de demarcações.
As propostas miram atos considerados, pela bancada, como expansivos e sem ancoragem jurídica. A expectativa é que esses textos possam ser levados ao plenário ainda este ano, dependendo do desfecho da discussão no STF e do avanço das negociações internas.
Já na área de segurança, o governo trabalha para minimizar danos nas duas Casas. Na sexta-feira, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou que o relator da PEC da Segurança, Mendonça Filho (União-PE), apresentará os principais pontos do texto na reunião de líderes de terça-feira. A expectativa, segundo ele, é que o relatório seja votado pela comissão especial já na quinta-feira.
Mendonça anunciou no mês passado que a proposta deve sair da Câmara “mais robusta e ousada” do que a versão do Ministério da Justiça. Na última semana, entre os pontos mais controversos em discussão estavam a inclusão de um dispositivo para impedir a progressão de regime para “supercrimes”, como os delitos contra a vida, estupro seguido de morte e pertencimento a facções, além da possibilidade de instituir a prisão perpétua.
“A segurança pública é nossa prioridade”, escreveu Motta em seu perfil no X.
A sinalização pública foi feita dois dias depois de Motta se reunir com a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. No encontro, a chefe da articulação política do governo pediu prioridade para a PEC, num momento de crise entre o Executivo e o Legislativo.
No Senado, os parlamentares se preparam para votar o projeto antifacção, anunciado pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), após a sessão que derrubou vetos presidenciais.
Na sexta-feira, o Ministério da Justiça enviou ao relator, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), um documento com dez pontos que considera como “problemas essenciais” na versão aprovada pela Câmara.
O relatório, com um total de 35 páginas, é uma resposta a um ofício enviado por Vieira ao ministério com pedido para que “fossem enviados subsídios técnicos para aprimoramento do texto em análise”. Entre os itens essenciais, os principais problemas, na visão do governo, estão relacionados à redução de recursos disponíveis para a Polícia Federal (PF) e à sobreposição de leis.
Vieira já disse que fará uma revisão completa do projeto, com ajustes de técnica legislativa, constitucionalidade e alterações de mérito. O senador afirmou que pretende avaliar com atenção o trecho que trata do financiamento PF, além de ajustar dispositivos que ampliam tipos penais já previstos no ordenamento jurídico.
Procurado, o parlamentar disse na sexta-feira que o tema estava sob análise e não detalhou os pontos demandados pelo governo que poderiam ser atendidos. A preocupação do Planalto é que, caso o Senado não promova mudanças significativas, o Executivo tenha que lidar com um projeto que considera desequilibrado e suscetível a questionamentos jurídicos.
A ofensiva legislativa ocorre em um ambiente de crescente afastamento entre o Congresso e o Executivo, que também contamina outras frentes de interesse do governo. O presidente do Senado indicou que deseja votar o Orçamento de 2026 ainda neste ano, antes do recesso, mas evitou dar detalhes sobre os próximos passos da indicação de Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal (STF). Contrariado com a escolha do presidente Lula, Alcolumbre articula a rejeição do nome do advogado-geral da União.
Nesta semana, o Congresso derrubou boa parte dos vetos de Lula ao marco do licenciamento ambiental, apesar dos apelos do governo, de ambientalistas e da proximidade com a COP30.
Chance para a oposição
Apesar de querer avançar com a PEC da demarcação, Dr. Hiran afirma que é preciso ter diálogo.
— A temperatura tem aumentado, né? Tudo é possível. É difícil fazer conjecturas sobre o que vai acontecer, porque, a cada dia, as coisas se apresentam de uma maneira. A gente tenta trabalhar para equacionar esses problemas — disse.
Para a oposição, a crise é uma oportunidade para avançar com a principal bandeira atual do grupo, a anistia para o ex-presidente Jair Bolsonaro, preso por tentativa de golpe.
— Quando Davi (Alcolumbre) colocou sua candidatura e conversou com os partidos que o apoiaram, combinou-se que não haveria tema tabu. Se a anistia chegar ao Senado, ele será cobrado — disse o líder do PL no Senado, Carlos Portinho (RJ).
Fonte: O Globo





