
A solidão já não é apenas um desconforto emocional ou um tema reservado à vida dos idosos. Tornou-se um problema de saúde pública global. Segundo relatório recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de uma em cada seis pessoas no mundo vive com sentimentos persistentes de solidão. A entidade criou em 2024 uma Comissão Global de Conexão Social para enfrentar o que considera uma epidemia silenciosa.
A OMS diferencia dois conceitos: isolamento social e solidão. O primeiro é a ausência objetiva de contatos suficientes; a solidão é a experiência subjetiva de desconexão, o sofrimento causado pela diferença entre o número de relações que temos e as que gostaríamos de ter. É possível, portanto, sentir-se só mesmo cercado de gente. Essa distinção é essencial para compreender por que a solidão se tornou um determinante social da saúde.
As evidências são alarmantes. Estudos mostram que pessoas solitárias apresentam risco 30% maior de desenvolver doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral e demência. Há aumento de depressão, ansiedade e mortalidade precoce. A OMS estima que cerca de 871 mil mortes por ano estejam associadas direta ou indiretamente à solidão, o equivalente a quase 100 mortes por hora no planeta. O impacto é comparável ao do tabagismo e da obesidade.
Do ponto de vista biológico, a solidão aciona mecanismos de estresse crônico, com liberação de cortisol, ativação do sistema nervoso simpático e inflamação persistente. Isso compromete o sistema imunológico e aumenta a vulnerabilidade a doenças. Comportamentalmente, a pessoa solitária tende a se exercitar menos, alimentar-se pior e negligenciar cuidados médicos. Psicologicamente, a desconexão enfraquece a autoestima e reduz o suporte social.
O fenômeno atinge todas as idades. Embora idosos estejam entre os mais vulneráveis, jovens e adultos também relatam sentir-se desconectados. Pesquisas recentes indicam que cerca de 20% dos adolescentes experimentam solidão significativa. O Brasil não está imune. A urbanização, o envelhecimento populacional e as novas formas de vida, com mais pessoas morando sozinhas, ampliam o problema. A pandemia intensificou a sensação de afastamento.
Enfrentar a solidão exige ação em múltiplos níveis. No campo das políticas públicas, é fundamental reconhecer o tema como questão de saúde. A criação de espaços de convivência e a valorização das redes comunitárias podem reduzir o isolamento. No Brasil, as Unidades Básicas de Saúde poderiam incorporar o tema às ações preventivas, com profissionais perguntando não apenas sobre pressão arterial e glicemia, mas também sobre vínculos e relações sociais.
Médicos e enfermeiros devem estar atentos. Perguntas como “Você tem com quem conversar?” ou “Sente-se sozinho?” ajudam a identificar risco e iniciar o apoio. O tratamento pode incluir encaminhamento a grupos de convivência, estímulo à prática de atividades físicas e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Em casos mais graves, o suporte psicológico é essencial.
Individualmente, é possível agir. Participar de atividades coletivas, cultivar amizades, dedicar tempo à escuta e ao diálogo são atitudes protetoras. A tecnologia pode aproximar, desde que usada com propósito. Videochamadas e grupos virtuais ajudam, mas não substituem o encontro presencial.
A solidão é uma dor moderna que ameaça nossa saúde tanto quanto as doenças clássicas. Ela fragiliza o corpo e o espírito. O antídoto está na conexão, com a família, os amigos, a comunidade. Cuidar de vínculos é também cuidar do coração, da mente e da vida. A medicina do futuro precisará incluir, ao lado de medicamentos e exames, a prescrição do encontro humano como forma de prevenção e cura.
Por Ludhmila Hajjar -médica cardiologista





