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Opinião – Consumo de álcool: o copo está meio cheio ou meio vazio?

Há poucos dias, Ruy Castro mais uma vez tratou da sua relação com um amigo que lhe era muito próximo e que ao longo dos anos virou o seu pior inimigo: o álcool.

Nos últimos anos, famosos como Gisele Bündchen, Matheus Nachtergaele e a ex-ginasta Daniele Hypólito relataram terem mudado sua relação com o álcool.

O consumo de vinho na França, produto esse que sempre foi orgulho nacional, vem enfrentando um declínio ano após ano. Inúmeras são as razões para a crise existencial desse mercado, entre elas o fato de que as gerações mais jovens, especialmente os membros da geração Z, estão optando por bebidas menos alcoólicas como a cerveja ou completamente sem álcool.

O relatório mais recente Álcool e Saúde dos Brasileiros, de 2024, realizado pelo CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool), nos revela que são os jovens entre 18 e 34 anos que têm levado a curva de mortes atribuíveis ao álcool a tornar-se descendente (de 20,5% em 2010 para 13,7% em 2022).

Uma pesquisa divulgada pela consultoria Go Magenta no segundo semestre de 2024 nos conta que 62% dos brasileiros entrevistados confessaram considerar reduzir o consumo de álcool na procura por uma vida mais saudável e, entre aqueles que já admitiram ter moderado o consumo de bebidas alcoólicas, a vida social parece ter melhorado.

Nos EUA, um levantamento encomendado pela NCSolutions revela que praticamente metade dos americanos (49%) planeja beber menos este ano.

Esses instantâneos jogam luz sobre um fenômeno que parece ser global: uma parcela crescente da população mundial está menos interessada no álcool do que antigamente. E os jovens adultos entre 18 e 30 anos, mais do que as gerações mais velhas, estão liderando essa tendência.

A adoção de opções não alcoólicas (o melhor exemplo disso é a cerveja zero, que lidera o novo e crescente mercado milionário de linhas zero álcool ou com baixo teor alcoólico), a alternância entre o consumo de drinques com álcool e sem álcool (que recebeu o nome de “zebra striping” ou “listras de zebra”), a curiosidade sóbria, a participação no Janeiro Seco estão ganhando espaço como modelos de comportamento alternativos ao “tudo ou nada”, nos mostrando que o tal consumo consciente é um grande guarda-chuva onde cabem variados tipos de condutas que visam o beber menos para ganhar qualidade de vida.

As práticas podem parecer questionáveis ou controversas a muitos, dado que o número de estudos que condenam o álcool vem se acumulando. Como especialista em dependência química e psiquiatra que diariamente atende uma variedade imensa de pessoas com uma diversidade enorme de relações com as bebidas alcoólicas, que vão do pouco saudável ao patológico, eu diria que essas condutas do consumo consciente proporcionam a quem bebe algo muito importante: questionar a relação que elas têm com o álcool.

Mas não só isso. Há uma multiplicidade de abordagens para a sobriedade que não necessariamente substituem o tudo ou nada. Para quem consome álcool de forma abusiva, a alternativa sempre será a da abstinência completa, até porque essa pessoa precisa ter claro para si mesma que não é capaz de beber com segurança. Mas há todo um espectro de outras pessoas que, ainda que muitos discordem da estratégia que elas usam, me parece louvável que estejam revendo o seu relacionamento com o álcool e buscando reduzir cada vez mais o consumo de bebidas alcoólicas.

Há também uma gama de motivos pelos quais uma pessoa busca fazer uso do álcool, que vão desde o mais convencional deles (e cientificamente comprovado), que é o fato de a bebida alcoólica levar à desinibição —razão pela qual ela circula há centenas de anos em eventos sociais— ao uso do álcool como remédio, como tapa-buraco para alguma questão da vida. Uma terapia, aliada a essas estratégias de beber com atenção, talvez possa dar conta dessas áreas cinzentas. Mas certamente, se elas levarem alguém a conseguir responder à pergunta “por que eu bebo?”, já terão conseguido um grande resultado.

Por Arthur Guerra

Professor titular de psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC e presidente do Conselho Diretor do Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas da USP; é especialista no tratamento de dependência de álcool e outras drogas