Em 2024, a Austrália decidiu proibir o acesso de menores de 16 anos às principais plataformas digitais, impondo multas significativas a aplicativos como TikTok, Facebook, X e Instagram em caso de violação. Seguindo a mesma direção, a Dinamarca anunciou recentemente um acordo político para vetar o uso de redes sociais por menores de 15.
Para Caroline Stage, ministra da Digitalização, “as grandes plataformas de tecnologia tiveram livre acesso aos quartos das crianças por tempo demais”. Segundo ela, o impacto das redes sobre o público jovem é tão profundo que “nenhum pai, professor ou educador consegue enfrentar sozinho”.
Antes que se brade pela “liberdade” das redes, vale examinar por que a medida é pertinente. O uso problemático de mídias sociais entre adolescentes saltou de 7% em 2018 para 11% em 2022. Esse padrão apresenta características análogas às de um vício, como dificuldade de controlar o tempo nas plataformas, abandono de outras atividades cotidianas e consequências negativas que incluem redução do bem-estar mental e social, depressão, ansiedade, bullying, privação de sono, consumo abusivo de drogas e pior desempenho escolar.
Como se não bastasse, as plataformas digitais têm se revelado eficazes instrumentos de imbecilização infantojuvenil. Um estudo recente publicado no JAMA investigou como diferentes padrões de uso de mídias sociais no início da adolescência se relacionam com o desempenho cognitivo dois anos depois, analisando dados do estudo longitudinal ABCD, que acompanha mais de 6.500 jovens estadunidenses dos 9 aos 13 anos.
Foram realizados testes de cognição em três grupos: o primeiro incluiu adolescentes que praticamente não usavam redes sociais e mantiveram esse padrão até os 13 anos; o segundo reuniu jovens que começaram com pouco uso, mas o aumentaram gradualmente; e o terceiro representou uma minoria que começou a usar cedo e cujo tempo nas plataformas cresceu de forma acelerada, passando de poucos minutos a mais de três horas diárias.
Os achados indicam que, quanto maior o crescimento do uso de mídias sociais, pior o desempenho cognitivo geral, incluindo memória, vocabulário e reconhecimento de palavras. O aspecto mais inquietante é que até mesmo padrões de uso baixo, mas crescentes, já se associam a escores cognitivos inferiores. Uma explicação plausível é que o tempo dedicado às mídias sociais passe a competir com atividades mais educativas e cognitivamente estimulantes, como a realização de tarefas escolares.
Embora as associações observadas nesse estudo sejam modestas no plano individual, seu possível impacto populacional é suficiente para mobilizar a atenção de formuladores de políticas. Que até incrementos moderados no uso das plataformas estejam ligados a piores desfechos cognitivos reforça a necessidade de limites etários mais rigorosos, consentimento parental, padrões de design mais seguros e maior responsabilização das redes.
Há quem sustente que vínculos e identidades entre jovens poderiam ser fortalecidos pelo “uso responsável” das plataformas. Sua lógica de engajamento, porém, empurra os usuários ao excesso. Sem educação digital, o conselho “aprecie com moderação” é tão inútil quanto no caso do álcool ou das bets. Limitar o acesso de jovens às redes atuais é a maneira de restituir-lhes não só a saúde mental, mas a autonomia e a racionalidade —isto é, as condições necessárias para a verdadeira liberdade.

Bruno Gualano – é professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP.





