Nos últimos meses, tem ganhado força um movimento discreto, porém preocupante: bancos e financeiras vêm buscando firmar acordos com o INSS para devolver valores descontados indevidamente de beneficiários da Previdência Social, sobretudo aposentados e pensionistas. A iniciativa, que poderia representar um avanço na reparação de danos, vem sendo conduzida de maneira silenciosa, sem transparência pública e, o mais grave, sem responsabilização efetiva das instituições envolvidas.
Por trás desses entendimentos extrajudiciais se esconde uma tentativa de esvaziar o debate jurídico e ético sobre os abusos cometidos no âmbito dos empréstimos consignados, ao tratar os prejuízos causados aos segurados como meros “erros administrativos”, passíveis de simples devolução de valores.
A lógica do lucro acima do direito do vulnerável
Milhares de segurados foram surpreendidos, nos últimos anos, com descontos indevidos em seus benefícios, referentes a empréstimos não contratados, clonagens de dados, fraudes com intermediação de correspondentes bancários e omissão do próprio INSS na fiscalização das margens consignáveis. Muitos desses segurados sequer sabiam da existência do contrato até notar a redução em sua renda mensal.
Em resposta, as instituições financeiras passaram a buscar devoluções diretas por meio de acordos com o INSS sem reconhecimento formal de culpa, sem pagamento de danos morais e sem qualquer medida de prevenção futura de novas violações.
Como bem alertado, em minha obra “Responsabilidade Social no Direito Bancário” (Guará, 2025), “as instituições bancárias, pela centralidade que ocupam na vida econômica das pessoas, devem exercer sua atividade com responsabilidade social, voltada não apenas à eficiência e ao lucro, mas à preservação da dignidade do cliente e ao respeito à função social da atividade bancária.”
Esse alerta ganha peso especial quando falamos de idosos, pensionistas e pessoas hiper vulneráveis, que confiam na integridade do sistema bancário e na atuação do Estado para garantir que seus benefícios não sejam alvo de abusos ou fraudes.
Acordo não é justiça quando não há reparação integral
A devolução do valor subtraído indevidamente, embora necessária, é apenas parte do que o ordenamento jurídico exige. A jurisprudência dos Juizados Especiais Federais e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece de forma pacífica que:
Há responsabilidade objetiva das instituições financeiras por falhas na prestação do serviço (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor).
A devolução do valor indevido não exclui o dever de indenizar por dano moral, que é presumido em casos de desconto fraudulento em benefício de natureza alimentar.
Cabe repetição do indébito em dobro, conforme o art. 42, parágrafo único, do CDC, sempre que demonstrada má-fé ou abuso contratual;
O INSS pode ser responsabilizado solidariamente quando falha na fiscalização das operações, conforme consolidado em precedentes do STJ (REsp 1.788.950/PR).
Ignorar esses princípios e permitir que a questão se resolva com acordos internos entre o INSS e os bancos, longe do crivo do Judiciário e dos órgãos de controle, é legitimar a impunidade das instituições que lucraram com práticas abusivas.
A reparação precisa ser pública, exemplar e fiscalizada
É essencial que qualquer iniciativa de compensação ou ressarcimento aos segurados ocorra com total transparência, com a atuação do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União e do Tribunal de Contas da União, de forma a assegurar:
A divulgação pública dos termos dos acordos;
A identificação clara dos beneficiários atingidos;
A aplicação de medidas pedagógicas e corretivas, inclusive suspensão de convênios ou aplicação de sanções administrativas;
A responsabilização solidária do INSS quando restar configurada sua omissão na fiscalização.
Deixar que acordos silenciosos substituam a responsabilização legal é permitir que as instituições financeiras calcularem seus riscos e tratem abusos como parte de sua margem de operação. Em outras palavras, é transformar o ilícito em prática tolerada, desde que se devolva o que foi indevidamente apropriado e só se for descoberto.
Função social e dever ético: o que o sistema bancário precisa compreender
A atividade bancária, como destaco em minha obra, não pode estar dissociada da ética e da responsabilidade social. Quando se lida com aposentados e pensionistas, os contratos precisam refletir equilíbrio, boa-fé e transparência, sob pena de violarem não apenas normas contratuais, mas a própria dignidade da pessoa humana.
“A confiança depositada pelo cliente no banco deve ser retribuída com conduta diligente e ética. A falha em proteger o consumidor vulnerável não é apenas uma questão técnica é uma violação à função social da atividade bancária.” (SCISLEWSKI FILHO, GILBERTO, Guará 2025)
Conclusão
Devolver valores a quem foi lesado não apaga o dano sofrido, nem restitui a paz daquele que passou meses ou anos vendo seu sustento reduzido por práticas abusivas. A justiça verdadeira exige mais: reconhecimento do erro, reparação integral e compromisso institucional de não repetir as falhas.
Os acordos firmados entre bancos e o INSS não podem servir de escudo contra a responsabilização civil, administrativa e ética. Ao contrário, devem ser fiscalizados e complementados por mecanismos reais de proteção ao consumidor, inclusive com o fortalecimento das instituições públicas que atuam na defesa dos direitos dos segurados.
Enquanto houver silêncio institucional, o barulho da injustiça continuará ecoando no orçamento apertado de milhares de brasileiros que dependem do INSS para sobreviver.
Referência bibliográfica: Scislewski Filho, Gilberto. Responsabilidade Social no Direito Bancário. Cuiabá-MT: Guará Editora, 2025.

e-mail: gilbertosfilho@yahoo.com





