
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, surpreendeu o noticiário ao decidir se aposentar oito anos antes da idade-limite prevista pela Constituição. Aos 67 anos, ele ainda poderia permanecer no STF até completar 75 anos. Em seu discurso de despedida, Barroso mencionou que, entre as motivações para a aposentadoria, estavam a possibilidade de se engajar em outros projetos e até mesmo ter mais tempo para ficar com a família e viajar.
Diante do episódio, comecei a refletir sobre os significados e as preparações para esse momento tão crucial da vida. Afinal, quando reduzir o ritmo de trabalho e como realizar isso?
No consultório, já vi casos de pacientes que iniciaram um quadro de depressão após a aposentadoria – o mais impactante foi o de um homem de 64 anos que chegou até mim após uma terrível, e ainda bem, malsucedida tentativa de suicídio. Nesta situação, minha tarefa foi ouvi-lo, acolher seu sofrimento e procurar um tratamento de saúde mental, mas não somente farmacológico: era preciso investir em um processo que resgatasse sua identidade e noção de cidadão participante da sociedade.
Inclusive, talvez esse seja o principal receio das pessoas, ou seja, de não serem mais “produtivas” ou “necessárias” numa sociedade marcada por valorizar um cidadão pela quantidade de dinheiro que ele consegue produzir. Nesse sentido, quero trazer duas reflexões importantes.
Quem é você e o que deseja fazer?
A primeira reflexão tem a ver com aquilo que “enxergamos no espelho”, algo extremamente complexo. Em resumo, é preciso se perguntar quem você é para além do trabalho e da sua profissão. Quais são os seus desejos e o que te conecta nesse mundo? Se perceber que a sua imagem está intimamente atrelada à sua ocupação profissional, aqui vai um conselho: há muito o que descobrir e ressignificar sobre si.
Já a segunda reflexão não envolve tantos questionamentos existenciais: tem mais a ver com a preparação prática para a aposentadoria. Algumas pessoas dizem que essa organização deve começar muito antes de finalizarmos nosso ciclo de trabalho e pode envolver desde a aprendizagem de um novo ofício (se o indivíduo desejar) até jornadas flexíveis e reduzidas, que caracterizariam uma aposentadoria gradual.
Claro, todas essas inquietações precisam considerar as precarizações que determinadas funções sociais sofrem e das enormes desigualdades existentes em nosso País. Por isso, trabalhar após a aposentadoria não pode ser algo compulsório, resgatando a ideia de que a previdência social é um direito social e não uma caridade.
Alguns livros de geriatria e gerontologia – ciências que estudam o processo de envelhecimento – evidenciam que não basta apenas garantir uma expectativa de vida longa, mas sim uma existência longa, com qualidade e livre de incapacidades. É essencial conectar não só o trabalho, mas também aspectos como saúde, lazer, educação, meio ambiente, moradia e segurança.
Voltando ao ministro, ouvi alguns analistas dizendo que outra possível explicação para sua aposentadoria precoce se refere ao fato de ele ter o desejo de reduzir sua exposição pública. Eu acho que lugar de aposentado pode até ser no aposento, se ele quiser. Mas, caso tenha interesse, será na sociedade, em conselhos gestores, nas comunidades, nas praças, nas famílias e em todos os espaços existentes.
Pensar nessas questões é algo urgente para quem tem mais de 60 anos, mas principalmente para os mais jovens, que desejam envelhecer bem – e esperamos que tenham possibilidades para isso.
Fonte: Estadão





