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Brasil desperdiça água suficiente para encher três bilhões de piscinas olímpicas por ano, indica estudo

Vazamento de água em realengo chega a mais de 10 metros de altura — Foto: Reprodução/TV Globo

O Brasil desperdiça em média 40,3% da água tratada antes que ela chegue às torneiras da população, segundo o novo estudo “Demanda Futura por Água em 2050: Desafios da Eficiência e das Mudanças Climáticas”, do Instituto Trata Brasil. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) indicam perdas colossais em volume: 7,257 bilhões de metros cúbicos de água tratada foram perdidos em 2023, o equivalente a quase três bilhões de piscinas olímpicas cheias.

De acordo com o levantamento, essa quantidade seria suficiente para cobrir toda a demanda adicional de água projetada para as próximas décadas, sem necessidade de ampliar a captação em mananciais já pressionados. Em muitos municípios, as perdas superam 80% da produção total.

O problema, apontam os especialistas, é duplo: de um lado, há ineficiências técnicas e econômicas nas redes de distribuição, marcadas por vazamentos, desvios e infraestrutura precária; de outro, falta planejamento e investimento contínuo para reverter o quadro.

— Do total perdido, 60% ocorre por vazamentos, sejam eles ocultos, sob o pavimento, ou visíveis nas ruas, o resto está ligado a furtos e erros de medição. É uma ineficiência estrutural que faz com que o Brasil precise muito mais de água do que realmente precisa. Reduzir essas perdas é essencial para garantir o equilíbrio entre oferta e demanda e evitar que a população enfrente situações de escassez cada vez mais frequentes — afirma Luana Pretto, presidente executiva do Trata Brasil.

Para atender à demanda projetada de 17,2 bilhões de m³ em 2050, um aumento de 59,3% em relação a 2023, o estudo indica que o país vai precisar acelerar o processo de racionalização e reduzir drasticamente o desperdício. Nesse cenário, o novo Marco do Saneamento estabeleceu uma meta ambiciosa de limitar as perdas a 25% até 2033, o que representaria uma economia de bilhões de metros cúbicos por ano.

Entre as cidades brasileiras que conseguiram avançar de forma consistente na eficiência do uso da água, Luana afirma que Campinas e Goiânia se destacam como modelos de gestão. Segundo a especialista, nas duas cidades, o crescimento da população foi acompanhado por planejamento de longo prazo e investimentos contínuos na redução de perdas.

— Em Goiânia, no Centro-Oeste, a escassez hídrica impôs a necessidade de adaptação diante das secas e ondas de calor. Já em Campinas, onde há forte disputa pelo uso da água na bacia do PCJ, a busca por eficiência evitou a necessidade de ampliar a captação. A população cresceu, mas o volume retirado do rio diminuiu, resultado de um planejamento integrado e sustentável — disse a presidente do instituto.

Em São Paulo, onde o desperdício de água agrava a seca provocada pela mudança climática, o governo do estado anunciou na última sexta-feira (24) um plano de contingência para o abastecimento de água diante do risco de uma nova crise hídrica. O programa estabelece sete faixas de monitoramento dos reservatórios, com diferentes medidas para cada uma delas — que vão desde a redução de pressão por até 16 horas diárias até a exploração do volume morto das represas e, em um cenário extremo, o rodízio de abastecimento.

Consumo em alta

O levantamento também projeta um aumento potencial no consumo residencial de até 59,3% nos próximos 27 anos, exigindo uma expansão maciça da oferta e cortes drásticos nas perdas de distribuição para evitar o colapso do sistema brasileiro.

As projeções mais aceleradas, vinculadas ao crescimento do PIB per capita de 2,7% ao ano, indicam que o país precisará entregar 7,249 milhões de metros cúbicos de água a mais em 2050 do que foi fornecido em 2023. Isso exigiria uma taxa de expansão da oferta de, no mínimo, 2,0% anualmente ao longo do período.

A análise, que empregou uma modelagem com dados de 5.570 municípios brasileiros entre 2008 e 2023, indica que no plano socioeconômico, a renda per capita e o grau de urbanização despontam como impulsionadores do consumo per capita de água. O estudo observou que a demanda aumenta conforme a renda da população cresce, porém, esse efeito se torna menos intenso em municípios com níveis de renda já elevados.

De modo semelhante, quanto mais urbanizada é uma cidade, maior é o consumo diário por pessoa, com uma alta estimada de 0,96% a cada ponto percentual de aumento na população urbana. A análise também concluiu que o preço da tarifa tem pouca capacidade de inibir a demanda.

Risco de racionamento

O clima, por sua vez, interfere de forma decisiva: a cada grau Celsius a mais na temperatura máxima, a demanda por água sobe 24,9%. O aumento da amplitude térmica também eleva o consumo per capita, além da umidade relativa do ar, que interfere positivamente, elevando a demanda em 3,6% a cada ponto percentual.

As projeções de mudanças climáticas até 2050 acrescentam um desafio ainda maior, já que a elevação esperada nas temperaturas (cerca de 1ºC na máxima e 0,47ºC na mínima) deve elevar o consumo de água em 12,4% a mais do que o crescimento causado por fatores econômicos e demográficos. Esta demanda incremental, associada apenas ao clima, soma 2,113 bilhões de m³ por ano.

— O cenário é bastante caótico porque a tendência é a gente viver cada vez mais episódios de crises hídricas, onde a gente passa a ter rodízios de fornecimento de água. Já vimos e continuamos a ver isso em diferentes regiões, mas, por conta desses eventos climáticos extremos, essa questão tende a se agravar cada vez mais — alerta Luana.

Segundo o levantamento, o panorama climático não apenas aumenta o consumo, mas também ameaça a própria oferta: as tendências indicam uma restrição média de 3,4% na disponibilidade de água ao longo do ano, devido ao aumento das temperaturas e à perspectiva de menos dias de chuva.

Diante desse quadro, o risco de racionamento paira sobre o país, com a média nacional podendo atingir cerca de 12 dias sem água por ano. Em áreas com menor precipitação, como partes do Nordeste e Centro-Oeste, o racionamento pode superar 30 dias anuais.

— Na Região Nordeste, apenas 75% da população possui acesso à água tratada. Com as mudanças climáticas, essa dificuldade de receber água em casa se intensifica ainda mais. Portanto, é urgente uma gestão hídrica eficiente que possa servir para mitigar os efeitos desses eventos climáticos extremos no sistema de distribuição de água — defende a especialista.

Fonte: O Globo