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Governo subestima gastos com Previdência e adia ajuste em despesas no Orçamento

O Orçamento de 2025 vai exigir novos ajustes nas estimativas de despesas após a aprovação do PLOA (projeto de Lei Orçamentária Anual) pelo Congresso, inclusive na projeção de gastos com o pagamento de benefícios da Previdência Social.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) optou em não fazer todo o ajuste neste momento para acompanhar a evolução do comportamento desses gastos nos primeiros meses do ano.

O gasto previdenciário maior e a insuficiência de espaço fiscal para acomodar outras políticas, como o Pé-de-Meia (programa que paga bolsas para incentivar permanência de alunos da baixa renda no ensino médio), vão exigir um congelamento de despesas após a sanção do Orçamento para garantir o cumprimento do limite do arcabouço fiscal.

Em ofício encaminhado na quarta-feira (12) ao relator do Orçamento, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), o governo estimou um aumento de R$ 8,3 bilhões nas despesas com benefícios previdenciários e de R$ 678 milhões com o BPC (Benefício de Prestação Continuada), destinado a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.

Os valores levam em consideração apenas o impacto da variação maior do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) e a correção do salário mínimo, que servem de referência para o reajuste dos benefícios previdenciários.

No entanto, o governo não incorporou outros R$ 9,5 bilhões do chamado “efeito-base”, que reflete o aumento dessa despesa observado em 2024 e que não estava nas contas do Executivo no momento de envio do PLOA, em agosto do ano passado. Técnicos do governo consideram razoável pressupor que tal aumento se manterá neste exercício.

O relator afirmou que o gasto com a Previdência precisaria ser ampliado em, no mínimo, R$ 20 bilhões, pelos cálculos dos consultores da CMO (Comissão Mista de Orçamento). A se confirmar esse cenário, faltariam outros R$ 11,7 bilhões, a serem acomodados no futuro por meio de corte de despesas em outras áreas.

A proposta original destinava R$ 1,007 trilhão aos benefícios previdenciários. Estimativas internas do governo apontam que esse valor pode ir a R$ 1,032 trilhão, o que reforça a necessidade de novos ajustes.

A votação do Orçamento está prevista para a próxima semana, mas pode ser adiada devido à necessidade de ajustes políticos, disse Coronel.Ele não detalhou quais são esses ajustes.

No Congresso, resta a preocupação de como serão acomodados os R$ 11,5 bilhões em emendas de comissão acertados entre governo e Legislativo e que até agora não foram incluídos na peça. Até segunda-feira, há a previsão de novas reuniões entre lideranças parlamentares e a SRI (Secretaria de Relações Institucionais), responsável pela articulação política, para tratar do tema.

Segundo o relator, o acréscimo de despesas na Previdência, ainda que parcial, será compensado por meio do corte de R$ 7,7 bilhões no programa Bolsa Família.

O relator rechaçou a avaliação de analistas econômicos do mercado financeiro de que, com os gastos da Previdência Social subestimados, o Orçamento já nascerá fake.

“Não é fake. O Orçamento, principalmente com esse índice inflacionário, que está aí previsto, sempre vai ter uma modificação, mês a mês, dentro dos relatórios bimestrais. É natural que o Orçamento venha sendo corrigido e adequado à realidade do momento”, minimizou.

Um técnico do governo que participou da elaboração do ofício disse que o governo precisa entender melhor a execução dos gastos com a Previdência nos primeiros meses do ano antes de fazer um ajuste maior. O diagnóstico é que, hoje, não há uma base segura de como essas despesas vão se comportar ao longo do ano.

O diagnóstico é que o gasto com a Previdência acelerou no segundo semestre de 2024, o que alterou a base de cálculo. Por isso, na visão do governo, é preciso ter alguns meses a mais de execução do Orçamento para entender qual será o tamanho dessa conta.

Outro ponto citado pelo técnico é que essa fatura extra será amortecida pelas medidas do pacote de contenção de despesas aprovado pelo Congresso no ano passado. Parte dos ganhos esperados com as ações ainda não foi incluído nas previsões.

O próprio governo, porém, já sabe que precisará começar o ano pós-aprovação do Orçamento com um bloqueio nas despesas para acomodar essas pressões. Por isso, cresceu a chance de o Executivo editar um decreto de programação orçamentária para segurar a execução de despesas enquanto o Orçamento não é aprovado e sancionado.

Não é fake. O Orçamento, principalmente com esse índice inflacionário, que está aí previsto, sempre vai ter uma modificação, mês a mês, dentro dos relatórios bimestrais. É natural que o Orçamento venha sendo corrigido e adequado à realidade do momento.  Ângelo Coronel (PSD-BA) – senador e relator do Orçamento.

Segundo um técnico que participa das discussões, o mais provável é que os ministérios recebam autorização para empenhar (primeira fase do gasto, quando o recurso é reservado para pagamento) apenas 1/18 por mês —cerca de dois terços do que eles habitualmente poderiam gastar se não houvesse a restrição. A medida, preventiva, ajuda o governo a resguardar os recursos necessários para posterior bloqueio.

Já o corte no Bolsa Família teve como lastro as medidas de aperto aprovadas no fim do ano passado e que ainda precisam ser regulamentadas. Elas incluem a possibilidade de endurecer a regra de proteção para beneficiários que arranjam emprego com carteira assinada (a regra atual garante o pagamento de 50% do benefício por até 24 meses), a continuidade da averiguação das famílias unipessoais (formada por um única pessoa) e aperfeiçoamentos da gestão interna.

Se o impacto das alterações no Bolsa Família não se verificar ao longo dos próximos dois relatórios bimestrais de avaliação do Orçamento, o governo vai devolver os recursos que foram retirados. Um técnico do governo disse que o corte não foi arbitrário, mas fruto das medidas do pacote de melhoria da gestão. O desafio agora, ressaltou, é materializar as medidas para colher a economia de recursos.

O economista sênior do BTG Pactual, Fabio Serrano, calcula que os gastos da Previdência estão R$ 12,3 bilhões subestimados em relação à versão original do PLOA. “Como a Previdência foi ampliada em R$ 8,3 bilhões, ainda vejo uma subestimação de R$ 4 bilhões”, disse. Ele estima uma despesa total R$ 1,02 trilhão. “Todas essas projeções assumem que a agenda de pente fino vai trazer mais resultados do que conseguimos ver até agora. Se o pente fino não avançar, a subestimação é maior.”

O economista Ítalo Franca, do Santander, calcula a necessidade de bloquear entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões na primeira avaliação pós-sanção do Orçamento —isso já contando com o espaço extra de R$ 12 bilhões de que o governo poderá dispor devido à inflação maior observada em 2024.

Além de uma pressão remanescente de cerca de R$ 15 bilhões na Previdência, ele vê necessidade de elevar os gastos com abono salarial e seguro-desemprego (R$ 5 bilhões) e incorporar os custos maiores com o Plano Safra devido ao aumento da Selic, que eleva os subsídios aos produtores que tomam o crédito.

O economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, calcula que ainda há uma subestimativa de R$ 9,8 bilhões nos gastos com Previdência e BPC. Ele também vê com preocupação a estimativa inflada de receitas. “Há mais de R$ 168 bilhões em receitas atípicas, incertas ou mesmo derivadas de ações que já viraram fumaça, como a proposta de majoração da CSLL ou a mudança do Imposto de Renda sobre o JCP [Juros sobre Capital Próprio]”, afirmou.

Além do bloqueio, ele calcula uma necessidade de contingenciamento de R$ 32,5 bilhões para cumprir a meta fiscal.

Fonte: Folha de S. Paulo