
Você provavelmente já ouviu – ou até repetiu – frases como “em time que está ganhando não se mexe”, “mais vale um pássaro na mão que dois voando” ou “a primeira impressão é a que fica”. Elas parecem inocentes, quase um patrimônio cultural cotidiano. Mas, por trás da simplicidade, carregam visões de mundo, crenças arraigadas e, principalmente, atalhos mentais que usamos para tomar decisões sem perceber.
Para Sírio Possenti, professor do Departamento de Linguística do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os ditados – assim como provérbios e slogans – existem para condensar crenças, ideologias e até preconceitos. “São, digamos, verdades, mas contraditórias. Há quem ache que servem como guias, mas podem ser desfechos de uma análise, uma confirmação”, diz. Segundo ele, esses gêneros pretendem transmitir verdades universais, atravessando tempo e espaço. Do ponto de vista do sentido, são generalizações; do ponto de vista da forma, são breves e ritmados, o que os torna fáceis de memorizar e de transmitir de geração em geração.
É aqui que a neurociência e a economia comportamental entram em cena, ajudando a decifrar por que esses ditados soam tão intuitivos. “Mais do que frases feitas, os ditados refletem, e moldam, nossos comportamentos, crenças e formas de pensar. São pistas valiosas sobre como tomamos decisões, como reagimos a mudanças e como lidamos com o futuro”, afirma Flávia Ávila, professora de economia comportamental da ESPM e da FGV e fundadora da InBehavior Lab.
Como explica a neurocientista Thaís Gameiro, sócia da consultoria Nêmesis, nossa vida é regida por uma complexa rede de mecanismos cerebrais rápidos, automáticos e, em sua maioria, inconscientes. “Nesse contexto, os ditados funcionam como o espelho cultural dos nossos vieses cognitivos, ou seja, os atalhos mentais que o cérebro usa para tomar decisões rapidamente e economizar energia, em um processo conhecido como heurística”, diz.
Ao serem repetidos e incorporados desde a infância, os ditados agem como reforçadores dessas heurísticas. “Eles fornecem uma ‘regra de bolso’ socialmente validada, nos dizem o que fazer, e o cérebro, buscando a eficiência, adota essa crença, tornando o comportamento subsequente quase um reflexo, muitas vezes limitando nossa capacidade de avaliar novas informações ou estratégias mais eficazes”, afirma Thaís.
“Essas associações mostram como nossa cultura reforça julgamentos rápidos e generalizações, muitas vezes inconscientes, que influenciam decisões em ambientes familiares, escolares, profissionais e sociais. Reconhecer esses padrões é o primeiro passo para transformá-los”, informa Flávia.
A seguir, as especialistas avaliam alguns dos ditados mais conhecidos:
- “Em time que está ganhando não se mexe”
Mostra como nosso cérebro tende a preferir o caminho de menor resistência. A frase revela o viés da inércia e o status quo – a tendência de preferir a situação atual em detrimento de mudanças, mesmo que sejam potencialmente benéficas. “Mudar exige um alto esforço cognitivo e emocional e o cérebro tem uma aversão inata ao esforço desnecessário e ao risco, além de trazer incertezas e ansiedade”, analisa Thaís. Por isso, manter o que está funcionando evita o arrependimento e o transtorno da mudança. O resultado, no entanto, pode ser uma estagnação travestida de prudência.
- “Mais vale um pássaro na mão que dois voando”
O que parece conselho de moderação reflete a aversão à perda e o viés do presente. “Preferimos uma recompensa imediata e garantida a uma possibilidade futura, mesmo que maior. É um comportamento comum em decisões financeiras”, afirma Flávia. Thaís acrescenta que a dor de perder algo é psicologicamente cerca de duas vezes mais intensa que o prazer de ganhar algo de valor equivalente, uma reação ligada à amígdala e outras áreas cerebrais que processam emoções negativas e medo. “Assim, a decisão de manter ‘um pássaro na mão’ é uma resposta de autopreservação neural, mas que pode estimular a estagnação e a conformidade, inibindo a busca por oportunidades com maior retorno potencial”, explica.
- “Filho de peixe, peixinho é”
Esse nos remete ao viés da representatividade. Como aponta Flávia, tendemos a acreditar que alguém terá determinado comportamento ou destino com base em características herdadas ou aparentes, ignorando variáveis individuais. “Esse raciocínio é reforçado pelo efeito halo, viés que ocorre quando uma característica positiva (ou negativa) percebida em uma pessoa influencia nossa avaliação sobre outras características dela. No contexto do ditado, se o pai é bem-sucedido, talentoso ou tem boa reputação, presume-se que o filho também terá essas qualidades, mesmo sem evidências concretas”, exemplifica.
- “Onde há fumaça, há fogo”
Aqui, prevalece o viés da disponibilidade. Flávia explica que julgamos a probabilidade de algo com base na facilidade com que exemplos vêm à mente. Se um rumor é repetido muitas vezes ou se histórias semelhantes já foram ouvidas, tendemos a concluir que deve haver verdade – ainda que não haja nada que confirme isso na prática.
- “A primeira impressão é a que fica”
É um clássico exemplo do efeito de ancoragem e do viés da confirmação. “A primeira informação recebida molda nossa percepção e buscamos elementos que reforcem essa visão inicial, ignorando dados posteriores”, afirma Flávia. Como impacto limitante, isso favorece avaliações superficiais e dificulta a revisão de opiniões ao longo do tempo.
Fonte: Estadão





