
O médico Drauzio Varella, de 82 anos, já completou 25 maratonas. Começou a correr tarde, na beira dos 50, quando um amigo lhe falou que começava ali a decadência do homem, que ele faria o primeiro PSA (exame de sangue Antígeno Prostático-Específico), indicado para homens de meia idade. No ano seguinte, em 1993, Drauzio encarou a Maratona de Nova York, concluída em 4 horas.
Vinte anos depois, com 70, fez a primeira Maratona de Boston. Também em 4 horas. Conquistou a mandala das seis majors, as mais icônicas do mundo, em outubro 2022, quando completou a Maratona de Londres, aos 79 anos, em 5h44. Apesar de dizer que “não gosta de correr, eu gosto de ter corrido”, ele já tem novo desafio no horizonte: a Maratona de Berlim, em setembro.
E em novembro, lançará um filme sobre corrida, uma biografia da sua vida contada por meio de uma maratona. A Vida é uma Maratona tem direção de Jeff Peixoto, Thaís Roque e Michel Souza e começou a ser rodada em setembro de 2022.
Minhocão e escada
Drauzio conta que mantém o ritmo de treinamento até hoje. Gosta de acordar cedo, 5h. Diz que levanta da cama e só após escovar os dentes e vestir camiseta, calção, meias e tênis, é que pode se dar ao luxo de desistir do treino. Nunca o faz deitado na cama. Além das corridas em si, geralmente no Elevado Costa e Silva, o Minhocão, região central de São Paulo, ele gosta de subir escadas. Desce de elevador e sobe as escadas do prédio onde mora até o 16.º andar.
Fala que “não é exemplo” porque não nunca teve treinador, corre “da sua cabeça” e não gosta de musculação. Prefere maratonas porque é o tipo de prova que “não tem improviso”, é preciso se preparar para ela.
Além disso, para ele, correr uma maratona é uma forma de se apaixonar pela cidade. Costuma dizer que “nenhum turista, por mais empolgado que esteja, faz passeio à pé de 42 quilômetros”. Drauzio correu a Maratona de Nova York por três vezes é a sua preferida.
Em recente participação em um evento de corrida, no Bota Pra Correr na Serra do Cipó, ele deixou uma mensagem:
— Vale a pena, vale muito a pena. O corpo humano é uma máquina que foi feita para o movimento. Outras máquinas se desgastam à medida que se movimentam. O corpo humano se aprimora.
Abaixo, Varella fala ao GLOBO sobre como manter o interesse na corrida e como ele adaptou sua corrida ao envelhecimento.
Como vencer a preguiça para levantar da cama e ir correr? Ou colocar o tênis para correr após um dia cansativo de trabalho?
Eu não corro após um dia cansativo de trabalho, em geral eu corro de manhã bem cedo. E para correr bem cedo é preciso disciplina porque a verdade é que a gente não tem vontade de sair da cama, e sair correndo. Acho que é preciso disciplina e acreditar que precisa, que aquilo vai fazer bem.
Como manter o interesse na corrida, uma vez que no início é difícil se adaptar?
Única forma é insistir. Tem que ter objetivos claros: para que eu faço exercício? Para que eu corro? Eu corro para ter mais saúde e para me sentir melhor, me tornar mais produtivo e com mais disposição para tudo.
A corrida é mesmo um esporte para todos? Quem não deve correr e por que?
A corrida não é um esporte para todos, depende da sua condição física e especialmente do seu tipo físico. Pessoas de ossos largos, que tem músculos curtos e chatos, que pesam muito, em geral, não têm aptidão e facilidade para correr. Mas pode, ainda assim, praticar corrida só que não dá para querer correr maratona ou não dá para querer bater recorde de velocidade. Acho que cada um tem de procurar o esporte com o qual se sente melhor fazendo, aquele que ele mais gosta. Porque já é difícil gostando… Imagine sem gostar.
Por que você começou a correr logo uma maratona? Qual a sua preferida e por que?
Comecei a correr maratona, mas a maratona em si não era o meu objetivo principal. A preparação para maratona sim. Porque é preciso treinar muitos meses, manter um ritmo de atividade física. Das que eu corri, as planas foram as mais legais, especialmente aquelas em que o trajeto só passa dentro da cidade, como Nova York, Berlim, Chicago, Buenos Aires e outras. Maratonas que pegam estradas, que você corre um tempão, sem se distrair com nada, eu não gosto muito, não.
Quando você termina uma maratona ou uma prova de quilometragem menor, você sente muitas dores? Onde? Quanto tempo demora para se recuperar?
Tenho um organismo privilegiado, sou magro, tenho pernas cumpridas e não costumo me machucar. Nunca me machuquei. Às vezes quando forço um pouco, as penas ficam mais cansadas. Sinto dores musculares gerais e acho até gostoso sentir esta sensação.
Conta sobre uma maratona em que teve dificuldade.
Eu quase abandonei a Maratona em Blumenau de 1995. No quilômetro 35, um médico, de dentro de uma ambulância, me perguntou se eu estava bem. Pensei: nossa, que organização! O cara passa de um em um perguntando se está tudo bem. Mas ele não parou em mais ninguém. Só em mim. Pensei: será que estou tão destruído assim? Quando terminei, fui direto para o ônibus. Sentei e só não chorei porque fiquei com vergonha de chorar na frente dos outros. A dor nos músculos era insuportável.
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Você recomenda que as pessoas façam musculação para correr? Por que?
Eu recomendo para todo mundo fazer musculação para correr. Eu confesso que pessoalmente tenho muita dificuldade, acho a musculação muito chata. Mas eu estou errado. O certo é fazer musculação porque você se prepara melhor para correr.
Como você foi adaptando sua corrida ao envelhecimento?
Fui me conformando de que eu tenho que correr mais devagar agora do que eu corria antes. E o objetivo passa a ser outro, se eu consigo na minha idade, com mais de 80 anos, correr 42k. O que menos me interessa é o tempo. Antes, eu antes procurava correr o máximo que eu podia, na maior velocidade que eu conseguisse (na segunda edição da Maratona de Nova York ele conseguiu o seu melhor tempo: 3h38, em 1994). Hoje não tenho mais essa pretensão.
Quando você corre uma maratona, consegue de fato prestar atenção na cidade, “nos pontos turísticos no caminho”? Quantas já correu?
Eu corri 25 maratonas e eu consigo olhar a cidade, claro. O problema é que depois eu não lembro direito porque quando você está correndo, os pensamentos parecem um caleidoscópio… eu pelo menos não consigo fixar uma ideia. Tenho uma ideia geral dos lugares que eu passei. Alguns deles eu lembro até hoje, mesmo maratonas de 20 anos atrás.
Qual a sua próxima corrida?
Se tudo der certo, vou correr a Maratona de Berlim. Na minha idade, não dá para você fazer previsões a longo prazo. Nem a médio… acho que nem a curto prazo (risos). Na hora é que eu vou ver se vai dar certo ou não.