
Alzheimer desafia rotina das famílias que precisam cuidar de pacientes e lidar com a sensação de luto.
O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa que afeta 1,2 milhão de pessoas no Brasil, produzindo problemas de memória em indivíduos com idade avançada. Em um contexto em que esse mal pode também causar um comprometimento em aspectos como linguagem, comportamento, humor e raciocínio, seus cuidados tornam-se mais desafiadores.
Os conteúdos sobre cuidados com pessoas com Alzheimer, porém, são majoritariamente voltados para os profissionais da área da saúde e refletem uma carência na representação dos familiares que convivem diariamente com os impactos da doença em um ente querido. Muitas vezes, a pergunta é engolida com a dor: “Você se lembra de mim?”
Alzheimer: um mal que cresce
A doença de Alzheimer, também conhecida como DA, afeta em sua maioria indivíduos com mais de 65 anos, já considerados idosos de acordo com o Art. 1º do Estatuto do Idoso (Lei 10.741). Outros fatores de risco incluem histórico familiar, quando algum parente já foi afetado pela doença, e baixo nível de escolaridade, destacando a influência de atividades intelectuais complexas para o estímulo cerebral.
De acordo com o Ministério da Saúde, “a doença instala-se quando o processamento de certas proteínas do sistema nervoso central começa a dar errado. Surgem, então, fragmentos de proteínas mal cortadas, tóxicas, dentro dos neurônios e nos espaços que existem entre eles. Como consequência dessa toxicidade, ocorre perda progressiva de neurônios em certas regiões do cérebro, como o hipocampo, que controla a memória, e o córtex cerebral, essencial para a linguagem e o raciocínio, memória, reconhecimento de estímulos sensoriais e pensamento abstrato”.
Com o envelhecimento da população brasileira, a perspectiva é de que o número de pessoas afetadas pelo Alzheimer aumente consideravelmente. Segundo o Censo Demográfico de 2022, pessoas com 65 anos ou mais representam 10,9% da população, um crescimento de 57,4% em relação a 2010, quando o grupo chegava a 7,4% da população.
O Censo Demográfico 2022 também revela uma diminuição da taxa de natalidade em relação ao ano de 2010. O percentual de jovens até 14 anos passou de 24,1% para 19,8%. Além disso, houve uma redução no número de pessoas até 34 anos.
Os dias passam devagar… para mulheres
Conviver e providenciar cuidados para um idoso com a Doença de Alzheimer não é uma tarefa intuitiva. De acordo com Tadeu Aguiar, professor do curso de Psicologia da Faculdade Maria Thereza, as demandas de cuidados recaem bastante sobre a família, que, às vezes, não tem estrutura econômica e principalmente emocional para exercer um cuidado efetivo. “Recai, na maioria das vezes, sobre a mulher e, geralmente, apenas em uma das mulheres ou filhas”.
Amanda Costa, estudante de psicologia, cuida de sua avó, Dona Júlia, e é uma dessas mulheres sobre quem recai a responsabilidade de conviver com o Alzheimer. “Você sempre vai conseguir ver esse recorte de gênero bem forte na questão do cuidado, principalmente quando envolve homens de outra geração. No caso da minha avó, são as mulheres que precisam cuidar da higiene dela, porque os homens falam que vão ficar traumatizados”, relata.
Já com relação ao resto da divisão, Amanda complementa que a maior participação vem das três filhas da paciente e das filhas dessas mulheres, em um contexto em que há mais quatro filhos que poderiam ajudar mais. A estudante vê a situação como um absurdo, porque é esperado que só mulheres abram mão de parte de sua vida para cuidar de um familiar com Alzheimer: “Quer dizer que se a mulher trabalha, ela vai ter que sair desse trabalho para fazer esse cuidado? Isso não pode acontecer”.
Os impactos, porém, começam já com o recebimento da notícia, que se estende tanto aos familiares quanto ao próprio paciente. O professor explica que o diagnóstico não costuma ser dito diretamente ao idoso devido ao impacto emocional que, na maioria das vezes, causa um agravo do caso ou transtorno psicológico, como a depressão.
Já em relação aos familiares que exercem o cuidado, é destacada a importância de um acompanhamento psicoterapêutico: “há um luto em vida, pelo diagnóstico, pelo processo, pela questão da disponibilidade, em que geralmente poucos ajudam e o cuidado acaba recaindo para uma pessoa só. Principalmente quando a família não tem recursos financeiros”.
O familiar ou cuidador também deve estar preparado para lidar com o esquecimento, que aos poucos se agrava e traz mudanças no comportamento e no humor do idoso. O paciente com Alzheimer também pode sofrer de episódios de agressividade ou de depressão, como consequência de sua condição.
A técnica de enfermagem Cilene Sousa explica que não adianta insistir quando o idoso resiste aos cuidados de forma violenta, sendo necessário ter paciência para recomeçar uma nova abordagem: “Eu saía de perto e não insistia, e um tempo depois voltava para conversar de novo de um jeito diferente”.

Reprodução / Jsme MILA
A atitude de Cilene está de acordo com a recomendação do professor Tadeu Aguiar, que também destaca as mudanças de humor intensificadas ao longo do processo: “É preciso de acompanhante médico, geralmente medicamentoso. Mas a estratégia é um acompanhamento gerontológico [estudo do envelhecimento humano] e psicológico. A família, principalmente quem cuida, precisa saber lidar com os momentos de ‘pico’ dessa oscilação. Não rebater ou discutir, pois pode agravar e a pessoa idosa ficar mais violenta em alguns casos”.
Amanda também ressalta o tempo em que passa cuidando da avó e a dependência do paciente com Alzheimer: “O dia a dia acaba sendo monótono e caindo em uma rotina em que você tem que promover as atividades básicas, porque, por ela mesmo, ela não faz. E sempre acaba tendo uma questão de voltar com ela para a realidade , o que torna a passagem desse tempo bem lenta.”
Retardando os sintomas
O esquecimento de uma pessoa com diagnóstico de Alzheimer é gradual e chega como um anuviamento da mente, como um simples esquecimento de onde certos objetos foram colocados. Andréa Costa, filha de Dona Júlia, conta que percebeu o início de uma demência quando a mãe começou a repetir as mesmas perguntas em um curto período de tempo, o que a fez buscar um neurologista e pesquisar sobre as possíveis doenças que a mãe poderia ter.
“A tendência é que o esquecimento se agrave, é preciso que o cuidador entenda que não é um simples esquecimento, mas sim um apagamento cognitivo, contínuo e degenerativo. Por isso, é fundamental o familiar estudar e buscar orientações sobre o Alzheimer e suas estratégias”, confirma Tadeu Aguiar.
Uma das estratégias é a prática de atividades físicas e intelectuais que, além de retardar os efeitos da doença, é indicada pelo Ministério da Saúde como prevenção não apenas do Alzheimer, mas de outras condições crônicas, como a diabetes e a hipertensão. Outro cuidado que se deve ter é com o consumo saudável e regrado, evitando-se o consumo de bebidas alcoólicas e cigarro.
As precauções com o idoso no dia a dia costumam ficar em primeiro plano, entretanto, o excesso de cuidados pode desviar o familiar de uma das questões mais importantes do tratamento: o carinho. Cuidar é uma forma de amor, mas, ao tratar de um familiar próximo, os laços são uma importante conexão a ser mantida de uma forma pessoal, por meio de objetos que podem desencadear lembranças (como fotografias) e hábitos que simbolizavam proximidade antes do idoso possuir a condição.
Um exemplo é o próprio caso da Dona Júlia, que frequentemente fica inquieta quando não está em sua casa, mas se acalma momentaneamente quando a neta oferece pipoca, alimento que costumava comprar ao trazê-la da escola. O filme da Disney Viva – A Vida É Uma Festa traz o tema. Ao final do longa-metragem, o protagonista toca em seu violão uma música para sua bisavó. A canção era performada pelo pai dela em sua infância e, por isso, a personagem deixa pela primeira vez o seu estado de aparente demência e começa a cantar. De modo significativo, a música se chama Lembre de mim.

Reprodução / Walt Disney Company
Outro exemplo é o de Cilene, que cuidou de sua cunhada após o diagnóstico de Alzheimer. Ela conta que uma de suas memórias mais queridas é a de quando a levou na Feira de São Cristóvão e pôde criar mais memórias com a cunhada, não se restringindo apenas ao que viveram antes da doença. Esse é um ato de resistência contra a situação que o Alzheimer coloca os familiares, que muitas vezes sentem um luto por uma pessoa ainda viva e com quem ainda pode dividir novos momentos.
“É preciso ter muita paciência, carinho e amor”, desabafa a técnica de enfermagem. “Eles ficam com bastante tristeza, ainda mais quando não têm família por perto, ou quando a família se afasta”.
Por Isabella Nogueira – Via UFF