O avanço no diagnóstico precoce e nos tratamentos oncológicos fez crescer de forma significativa a população de sobreviventes de câncer de mama. Viver após o câncer significa enfrentar uma nova etapa chamada de survivorship. O termo, difundido pela American Society of Clinical Oncology (ASCO), compreende não apenas o encerramento do tratamento ativo. Ele envolve o acompanhamento integral das pacientes que convivem com os efeitos físicos, emocionais, sociais e também econômicos da doença. Esses cuidados incluem prevenção de recorrências, detecção de novos cânceres, vigilância de condições crônicas e manejo de sintomas persistentes, como dor, fadiga, alterações hormonais, dificuldades cognitivas e linfedema.
No Brasil, entre 2018 e 2023, mais de 108 mil mulheres com menos de 50 anos receberam o diagnóstico de câncer de mama. Isso significa aproximadamente uma em cada três pacientes. Para 2025, a estimativa é de 73.610 novos casos no País, com taxa anual ajustada de incidência de 41,9 casos por 100 mil mulheres, segundo os Serviços e Informações do Brasil. Outro dado que preocupa é o aumento entre as mais jovens. Em alguns serviços, pacientes com menos de 35 anos passaram a representar de 2% para 5% dos diagnósticos, de acordo com o Instituto Oncoguia.
O término do tratamento, frequentemente, marca o início de uma fase silenciosa, com sequelas que afetam profundamente a vida das sobreviventes. Dor crônica, fadiga, alterações cognitivas, disfunções sexuais e infertilidade precoce estão entre os impactos mais comuns. O peso econômico também é expressivo. Muitas mulheres enfrentam despesas médicas contínuas, custos de medicamentos e deslocamentos, além de dificuldades de reinserção no mercado de trabalho. Uma pesquisa nacional mostrou que apenas 30,3% das mulheres retornam ao trabalho 12 meses após o diagnóstico. Esse índice alcança 60,4% em 24 meses.
No campo emocional e social, o medo da recidiva, a queda da autoestima e a instabilidade nos relacionamentos ampliam a sensação de isolamento. Em alguns casos ocorre inclusive abandono conjugal. Cada estatística representa uma mulher cuja vida foi transformada. Sobreviver não significa apenas vencer a doença. Significa também lidar com marcas físicas, limitações e inseguranças que nem sempre são visíveis.
Por esse motivo, o survivorship deve entrar de forma definitiva na agenda de saúde pública e privada. É urgente que instituições médicas ofereçam programas multidisciplinares com suporte psicológico, fisioterapia, orientação para retorno ao trabalho, acompanhamento da fertilidade e tratamento de sintomas persistentes. As políticas públicas precisam contemplar rastreamento precoce para mulheres abaixo de 50 anos, cobertura completa para sequelas e programas de reabilitação, além de diretrizes específicas para o período após o tratamento.
O câncer de mama não termina no último ciclo de quimioterapia. Discutir sobrevivência é essencial para desconstruir a ideia de que a jornada acaba com a cura. O futuro da oncologia depende de reconhecer que a sobrevivência não é um ponto final. É um processo de cuidado integral que deve permitir às mulheres não apenas viver, mas também florescer com saúde, dignidade e plena reintegração à vida cotidiana.
