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INSS quer facilitar concessão de benefício após recurso favorável a segurado

Agência da Previdência Social, localizada na rua José de Alencar, em São Paulo – Rafaela Araujo – 18.jul.24/Folhapress

O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) quer facilitar a implementação de benefícios, como aposentadorias e pensões, que tiveram a concessão inicialmente negada e foram alvo de recurso, com decisão favorável ao segurado no âmbito do CRPS (Conselho de Recursos da Previdência Social).

Hoje, mesmo após o julgamento, os pedidos deferidos ficam numa fila de espera até que um servidor do instituto analise o processo, fixe os parâmetros de cálculo e implemente o benefício no valor obtido. Como resultado, segurados com direito reconhecido passam mais de ano à espera do início dos pagamentos.

O governo pretende acelerar o processo ao permitir que o próprio CRPS efetive a concessão do benefício. Para isso, o INSS deve publicar uma portaria para autorizar que os membros do conselho estabeleçam os parâmetros de cálculo dos benefícios, sem precisar esperar pelo servidor do INSS.

A prerrogativa valerá sempre que o governo não recorrer da decisão do julgamento no prazo regulamentar de 30 dias. A previsão é que a portaria com as alterações saia ainda neste mês.

Sob as regras atuais, a fila de recursos do INSS chegou a 996,5 mil processos em maio, dado mais recente. Além do estoque acumulado, os segurados são submetidos a um trâmite bastante moroso.

Segundo indicadores oficiais, um recurso leva em média 266 dias para ser enviado pelo INSS ao CRPS e 721 dias para a realização de diligências (como coleta de documentos, entre outras informações necessárias à análise do pedido). Essas duas etapas são de responsabilidade do instituto.

Na terceira etapa, do julgamento, o tempo médio é de 431 dias, sob responsabilidade do CRPS. Uma vez tomada a decisão, o INSS ainda leva outros 74 dias, em média, para concluir o processo. Os prazos retratam indicadores coletados ao primeiro trimestre de 2025.

Segundo um interlocutor do governo, a partir da mudança nas regras, a ideia é que o CRPS faça um mutirão para efetivar a concessão dos benefícios ainda pendentes de implementação, sem necessidade de revisar o mérito das decisões.

A leitura do governo é que o desenho atual prejudica o segurado e acaba criando condições para o instituto adiar a concessão de benefícios que já foram reconhecidos como devidos, mas dos quais ele discorda.

Como mostrado, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também já agiu para segurar outra fila do INSS, de requerimentos iniciais, para evitar aumento de gastos no curto prazo.

Elson Berg, 66, é um dos que aguardam há anos a conclusão de um pedido de aposentadoria. Morador de Salvador (BA), ele ingressou com o pedido em novembro de 2018, pois havia completado 35 anos de contribuição, mas teve o requerimento negado por uma falha de registro no Cnis (Cadastro Nacional de Informações Sociais).

Formado em tecnologia da informação, ele trabalhou por pouco mais de dois anos no Serpro, uma empresa federal de tecnologia, mas o período não foi contabilizado porque sua data de desligamento estava igual à data de admissão nos sistemas —ou seja, era como se ele tivesse ficado empregado por apenas um dia.

Em junho de 2020, ele recebeu a resposta negativa do INSS e entrou com um recurso. Em paralelo, abriu uma solicitação de correção dos dados do Cnis e, uma vez feita a retificação, entrou com novo pedido de aposentadoria em 2021 —este concedido sem obstáculos.

Ainda assim, Berg manteve o recurso em tramitação, pois seu primeiro requerimento foi feito antes da reforma da Previdência (que entrou em vigor em novembro de 2019) e resultava num cálculo mais vantajoso para o valor de sua aposentadoria do que o aplicado em 2021.

Além disso, a lei garante ao segurado o pagamento do benefício desde a data do pedido, com correção monetária. Ou seja, por meio do recurso, ele poderia receber valores de aposentadoria devidos entre 2018 e 2021.

O recurso foi julgado apenas em dezembro de 2022. Na decisão, a 18ª Junta de Recursos acolheu o pedido e destacou que é vedado ao INSS deixar de cumprir as decisões do conselho, a não ser que haja comprovação de que a aposentadoria paga atualmente é mais vantajosa do que o benefício concedido por meio do recurso.

Berg, porém, diz que sua aposentadoria hoje representa 92% do benefício que ele receberia se o primeiro requerimento tivesse sido aprovado. Ele calcula que os valores devidos pelo INSS podem chegar a R$ 300 mil. Apesar disso, até hoje o benefício não foi implementado.

“Eu fiz quatro reclamações na ouvidoria, todas as respostas foram semelhantes. ‘Verificamos que o seu requerimento está atualmente na fila aguardando análise/processamento pela área competente. Considerando a presente reclamação, reiteramos notificação à unidade responsável para ciência desta manifestação de ouvidoria, sem prejuízo de observância à fila e à ordem de atendimento existente no âmbito do INSS’. Ou seja, nada. Inútil”, diz.

A reportagem encaminhou ao INSS o número do recurso de Berg para saber detalhes do andamento do processo, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

O tecnólogo aeronáutico Wadson Rocha, 61, morador de Belo Horizonte (MG), contribuía como autônomo, pagando 20% do salário de contribuição, e solicitou aposentadoria por tempo de contribuição em julho de 2019, mas teve o pedido negado. Segundo ele, o período em que atuou em regime especial, exposto a condições insalubres e de perigo, não foi devidamente contabilizado.

Em janeiro de 2022, seu recurso foi julgado parcialmente procedente pela 11ª Junta de Recursos. O conselho refez a contagem do tempo de contribuição e concedeu cerca de dois dos três anos a mais de contribuição que ele havia solicitado. Mesmo assim, foi o suficiente para que ele preenchesse os requisitos de aposentadoria. Até hoje, porém, o benefício não foi concedido.

“Eu queria, assim, não trabalhar dependendo do dinheiro para comprar as coisas. Minha esposa é diabética, a gente tem um gasto com remédio bem alto, R$ 1.500 todo mês. Eu precisava desacelerar um pouco e eu não consigo. É um dinheiro que faz muita falta. E atualmente eu estou com 38 anos de contribuição contada, ou seja, já ultrapassou [o requisito] e eu não consigo me aposentar. Não cumprem o papel que o Estado deveria cumprir”, afirma.

O INSS também não respondeu sobre o processo de Rocha. O órgão tampouco respondeu sobre as medidas que pretende adotar para reduzir a fila de recursos.

Fonte: Folha de S. Paulo