Enquanto parte da opinião pública internacional se mobiliza em defesa do Irã: “coitadinho atacado covardemente”. É preciso ver além, conhecer a realidade e o risco para a humanidade e o povo que vive subjugado, humilhado, sem direitos mínimos. É necessário olhar para além do discurso simplista de vítimas e vilões. O Irã, apesar de ser uma nação rica em cultura, história e recursos naturais, é governado por um regime que reprime severamente os direitos de seus próprios cidadãos. Entender esse cenário é fundamental para compreender o papel que o país ocupa no Oriente Médio e no mundo.
O atual regime iraniano nasceu em 1979, após a Revolução Islâmica que derrubou o xá Mohammad Reza Pahlavi, dando lugar a um sistema teocrático liderado por aiatolás. O poder máximo está nas mãos do Líder Supremo, atualmente o aiatolá Ali Khamenei, que detém controle direto sobre as principais instituições do Estado, incluindo o Judiciário, as Forças Armadas e a mídia estatal. Apesar de manter uma aparência republicana com eleições regulares, essas são rigidamente controladas pelo Conselho dos Guardiões, um órgão não eleito que veta candidatos considerados inadequados ao regime. A oposição política é reprimida com prisões, tortura, exílio e até execuções.
A liberdade de expressão no Irã é quase inexistente. Críticas ao governo ou à religião oficial podem resultar em prisões arbitrárias. Jornalistas independentes, artistas e defensores de direitos humanos são constantemente perseguidos. A censura na imprensa e na internet é massiva, e redes sociais são frequentemente bloqueadas.
A situação das mulheres iranianas é particularmente grave. Por lei, o testemunho de uma mulher vale metade do de um homem. O uso do véu (hijab) é obrigatório em público — descumpri-lo pode render penas de prisão. Um caso emblemático foi o de Mahsa Amini, jovem de 22 anos que morreu sob custódia policial em 2022, acusada de usar o véu de forma inadequada. A tragédia gerou protestos massivos que foram violentamente reprimidos pelo regime. Além disso, mulheres enfrentam limitações para estudar, trabalhar e até viajar sozinhas.
No Irã, ser gay é uma sentença de morte. A homossexualidade é criminalizada e pode ser punida com chibatadas, prisão ou enforcamento público. A repressão LGBTQIA+ é uma das mais severas do mundo, baseada na aplicação rígida da sharia (lei islâmica).
Em muitas regiões e famílias tradicionais, os casamentos arranjados ainda são a norma. Jovens, especialmente mulheres que enfrentam intensa pressão para seguir costumes religiosos e sociais, sem liberdade para escolher seus parceiros.
O Irã é a principal potência xiita do mundo islâmico, em oposição ao sunismo predominante em países como Arábia Saudita e Egito. A religião não é apenas um aspecto espiritual, mas o eixo central de todo o sistema político e judicial. Essa diferença alimenta conflitos sectários em todo o Oriente Médio, da Síria ao Iêmen.
Apesar de abrigar uma das maiores reservas de petróleo do planeta, a economia iraniana é duramente afetada por sanções internacionais, má gestão e corrupção. A riqueza do país, que poderia beneficiar seu povo, é concentrada nas mãos de elites religiosas e militares.
Um erro comum é considerar o Irã como um país árabe. O Irã é persa, e sua língua oficial é o farsi, não o árabe. Sua cultura remonta ao antigo Império Persa, com contribuições históricas riquíssimas à arte, ciência e filosofia mundiais.
O Irã está empenhado em seu programa nuclear que alega ser para fins pacíficos, mas não convence a comunidade internacional. Inspeções limitadas, falta de transparência e retórica hostil levantam temores de que o país esteja buscando armas nucleares. Um Irã armado com ogivas seria um risco não só para o Oriente Médio, mas para a estabilidade global.
A guerra contra o Irã, por sua vez, pode beneficiar parte do mundo que vê no país um “berço do terrorismo” que oferece apoio financeiro e logístico a grupos extremistas, como o Hezbollah e o Hamas e pode ser também uma carta de alforria, resgate da liberdade para o povo que está oprimido, principamente as mulheres e LGBTQI+. É preciso empatia pelos povos e não confusão entre governos e nações.
É muito fácil demonizar nações como Israel ou os Estados Unidos sem olhar criticamente para o que acontece dentro do Irã é, no mínimo, uma análise incompleta. O mundo precisa estar atento ao que ocorre não só nos campos de batalha, mas também nas ruas de Teerã, onde cidadãos lutam diariamente por dignidade e liberdade.
“A liberdade não é um luxo ocidental. É um direito humano universal.” — Shirin Ebadi, iraniana ganhadora do Prêmio Nobel da Paz.
Por Naime Marcio Martins Moraes – advogado e professor universitário.