A sessão conjunta do Congresso realizada na terça-feira passada expôs mais um capítulo da queda de braço entre o governo e o Legislativo. Mas, desta vez, o maior derrotado foi o consumidor de energia, que pagará caro por mais um desarranjo no disfuncional setor elétrico que deve custar R$ 197 bilhões em 25 anos, segundo a PSR, uma das principais consultorias do País.
A derrubada de vetos presidenciais à lei que criou o marco das eólicas em alto mar (offshore) passou longe do interesse público. Marcada pela subjacente disputa de poder entre o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), a votação resultou em incentivos descabidos e injustificáveis a todo tipo de fonte de energia, mesmo aquelas que há anos não precisam de qualquer benefício para se sustentar.
Generosos quando se trata de fazer cortesia com o chapéu alheio, os parlamentares garantiram a prorrogação de contratos firmados há 21 anos no âmbito do Proinfa. Criado após o racionamento de 2001, o programa estabeleceu incentivos vultosos para diversificar a matriz elétrica, garantindo a construção de algumas das primeiras pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), eólicas e usinas de biomassa do País.
Vinte anos depois, o cenário mudou radicalmente. Com o avanço da tecnologia, os preços da energia renovável despencaram, a ponto de atualmente representarem quase metade da eletricidade gerada no País, segundo o Ministério de Minas e Energia.
O encerramento dos contratos do Proinfa não extinguiria essas usinas pioneiras, mas obrigaria seus donos a reduzir substancialmente seus preços para vencer os leilões, e, portanto, sua margem de lucro. Hoje, elas geram energia a cerca de R$ 549,97 por megawatt-hora (MWh). Para ter uma ideia, no leilão de energia nova de 2022, eólicas novinhas em folha foram contratadas a um preço médio de R$ 171,20 por megawatt-hora, incluindo sua construção.
Ainda assim, os parlamentares acharam por bem assegurar a renovação dos contratos dessas usinas já completamente amortizadas por preços absurdos por mais 20 anos, e mesmo que não haja demanda para essa eletricidade. Para não serem acusados de privilegiar um segmento em detrimento do outro, deputados e senadores também asseguraram uma reserva de mercado à produção de hidrogênio renovável a partir de etanol no Nordeste e a obrigação de contratação da energia gerada por eólicas no Sul.
Eis a razão pela qual o Brasil é conhecido como o país da energia barata e da conta cara. Todos esses custos serão repassados às contas de luz, exigindo reajustes mais elevados nas tarifas de energia. Outros trechos da lei que haviam sido vetados pelo presidente Lula da Silva ficaram para a sessão conjunta do Congresso que será realizada em julho, mas, a julgar pela votação desta semana, tudo indica que eles serão derrubados, garantindo benesses também a termoelétricas a gás, painéis solares e até mesmo usinas movidas a carvão, independentemente do custo e das externalidades.
Ao derrubar os vetos, os parlamentares não afrontaram somente o ministro Silveira e o presidente Lula. Quem está sob ataque é o marco do setor elétrico, que estabeleceu condições para a concorrência entre as mais diversas fontes de energia nos leilões a fim de impedir que um apagão como o de 2001 voltasse a acontecer. Entre seus princípios estava garantir a qualidade e a continuidade do serviço com modicidade tarifária, ou seja, pela menor tarifa possível para o consumidor.
A lei, por óbvio, precisa de mudanças para aprimorar o planejamento e a segurança do setor elétrico, que mais recentemente passou a ter de lidar com desafios adicionais, como a intermitência das fontes renováveis e os eventos climáticos extremos. Mais uma vez, no entanto, os parlamentares optaram por privilegiar os empresários que orbitam no Congresso em detrimento do interesse público. Quando a conta chegar – e ela chegará –, responsabilizarão a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), como se não tivessem qualquer responsabilidade sobre o tarifaço que ela terá de aplicar.
Por Por Notas & Informações