A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que propõe o fim da escala 6×1, causou alvoroço e divide opiniões. Embora a flexibilização do trabalho seja uma tendência global que está sendo aplicada em nações desenvolvidas, a realidade brasileira é bem diferente. Apesar dos inegáveis benefícios à saúde mental e qualidade de vida, a implementação da medida no País encontra inúmeros obstáculos, que vão desde os impactos econômicos e legais até os hábitos de vida e a resistência cultural do trabalhador brasileiro.
A flexibilização da jornada de trabalho está sendo testada em países desenvolvidos, com alto grau de escolaridade, produtividade e de renda elevada, que produzem produtos e serviços de alto valor agregado. Dentre as nações que implementaram o teste de escala reduzida estão Bélgica, Islândia, Escócia, Inglaterra, Suécia, Espanha, Alemanha, Itália, França, Japão e Nova Zelândia.
Os pontos comuns verificados nesses países são a manutenção dos salários e a facultatividade de adesão ao modelo, seja por parte das empresas, seja pelo próprio trabalhador. Como resultado dos testes implementados, parte das empresas envolvidas optaram por manter essa nova escala de quatro dias de trabalho semanais. Algumas constataram um aumento da produtividade. Outras, mesmo situadas em ambiente favorável, registraram drástica redução da produtividade.
Entretanto, é importante ressaltar que no Brasil a realidade é bastante diferente daquela vivenciada nos países europeus, tendo mais proximidade com nações emergentes e continentais dos Brics (China, Índia, Rússia e África do Sul), que são conhecidas por suas extensas jornadas de trabalho, algumas com carga horária semanal superior à brasileira. Essa prática está diretamente relacionada a aspectos políticos, econômicos e legais.
Para fins comparativos, a renda média do brasileiro em 2023 foi de R$ 2.979 mensais, o que é equivalente a cerca de 6 mil euros anuais. Valor significativamente menor que a renda dos europeus. Veja-se, a título de exemplo, a renda média anual em países como a Bélgica: 35.604 euros; Islândia: 53.885 euros; Reino Unido (2019): 35.783 euros; Suécia: 33.926 euros; Espanha 23.568 euros; Alemanha: 38.086 euros; Itália: 24.207 euros; França: 31.481 euros.
Além disso, o Brasil tem boa parcela do Produto Interno Bruto (PIB) diretamente dependente de commodities, o que não ocorre com os países mencionados acima. Assim sendo, reduzir a carga horária semanal do brasileiro com base em exemplos tão distantes não é adequado, especialmente considerando que o Brasil tem um dos piores índices de produtividade do mundo, baixa escolaridade e elevadíssima tributação, seja sobre as empresas, seja sobre os rendimentos do próprio trabalhador.
Estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) concluiu que a carga tributária média compromete mais de 40% do rendimento do trabalhador. Isso significa que o brasileiro precisa trabalhar 149 dias por ano apenas para pagar seus tributos.
De todo modo, a Constituição privilegiou a negociação coletiva. A legislação brasileira traz o limitador máximo de tempo de trabalho diário e semanal, mas também possibilita inúmeras formas de implantar diferentes escalas de trabalho, de acordo com a possiblidade e necessidade de cada categoria, empresa ou setor, seja via negociação sindical, seja por meio de acordos individuais realizados diretamente com o trabalhador.
Tanto que, atualmente, a escala 5×2, com 40 horas de trabalho semanal, é bastante usual em inúmeros setores da economia, sem mencionar a escala 12×36, muito difundida no setor da saúde e segurança privada. Além disso, muitas categorias já têm previsão legal de jornadas reduzidas em razão de suas especificidades, tais como bancários (artigo 224 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)) e jornalistas (artigo 303 da CLT), dentre outros.
A flexibilidade permitida pela legislação atual pode abrir espaço para a adoção gradual de modelos de trabalho reduzido, permitindo que empresas e trabalhadores experimentem essa nova dinâmica de forma mais ajustada à realidade brasileira e a cada categoria. Um diálogo entre empresas, trabalhadores e sindicatos, que devem integrar ativamente essa discussão, é uma opção mais coerente para se chegar a acordos que respeitem as diferenças regionais e as necessidades dos mais diversos setores da economia.
Nesse cenário, o fim da escala 6×1 de trabalho, por meio de PEC, não parece ser algo urgente ou mesmo adequado, neste momento, sendo importante avaliar profundamente os reflexos da adoção desses parâmetros nas empresas nacionais e como o trabalhador brasileiro absorverá esse movimento, até mesmo para se evitar aumentar, ainda mais, as desigualdades sociais.
Diante da inegável crise de mão de obra vivenciada no País, por inúmeros fatores, é preciso avaliar se a drástica redução da carga horária não caminhará para a realidade já vivenciada por muitos brasileiros: a busca por mais de um trabalho, ainda que informal, para o sustento familiar. Tal prática é muito comum entre os trabalhadores que utilizam escala 12×36.
Estamos no início de uma saudável discussão acerca do tema, que reflete um movimento global em direção a uma forma de trabalho mais equilibrada e uma jornada de trabalho mais flexível. O desafio a seguir será encontrar um meio-termo que combine as necessidades do mercado com as expectativas dos trabalhadores, com o intuito de criar um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo no Brasil.