
A fibrilação atrial (FA) é a arritmia mais comum no mundo e, paradoxalmente, uma das menos percebidas pela população. Ela pode aparecer como um coração “descompassado”, palpitações rápidas ou até nenhum sintoma, e é justamente nesse silêncio que mora o perigo. A FA aumenta em até cinco vezes o risco de acidente vascular cerebral (AVC), causa sequelas devastadoras, compromete a autonomia das pessoas e sobrecarrega o sistema de saúde com internações prolongadas, reabilitação complexa e custos que poderiam ser evitados.
No Brasil, estima-se que 1,5 milhão de pessoas convivam com a arritmia, muitas sem diagnóstico. A consequência é dura: AVCs mais graves, incapacidade permanente e perda de produtividade. É um problema que cresce silenciosamente em uma população que envelhece rapidamente.
Ela nem sempre se anuncia com estrondo; muitas vezes começa com sinais discretos: palpitações irregulares, falta de ar aos esforços habituais, cansaço desproporcional, sensação de aperto no peito ou episódios de tontura. Em outros casos, é totalmente silenciosa. Mas, enquanto isso, o coração trabalha de forma caótica, sem contração eficaz dos átrios, o que compromete o enchimento ventricular, reduz o débito cardíaco e pode precipitar insuficiência cardíaca em pessoas vulneráveis. A estase sanguínea nos átrios favorece a formação de trombos, e daí nasce o risco de um AVC, que pode surgir como o primeiro “sinal” da doença.
Nos últimos anos, a ciência ofereceu uma resposta sólida: a ablação da fibrilação atrial. Um procedimento minimamente invasivo, cada vez mais seguro e eficaz, capaz de restaurar o ritmo normal e reduzir substancialmente o risco de complicações. Hoje, não é apenas uma opção terapêutica; em muitos casos, é a intervenção que muda a trajetória da doença. Ensaios clínicos demonstram que ela reduz recorrência da arritmia, melhora qualidade de vida, diminui internações e, em alguns pacientes, reduz mortalidade cardiovascular.
Também há um argumento que deveria convencer qualquer gestor público: é custo-efetiva. Quando comparamos o investimento inicial do procedimento com os gastos evitados — menos AVC, menos internações, menos uso contínuo de medicamentos de alto custo, menos anos de dependência funcional — a equação é contundente. A ablação economiza recursos e salva vidas.
O Brasil tem cardiologistas experientes, tecnologia disponível e centros preparados. A única engrenagem que falta girar é a política pública. No papel, a ablação já aparece em diretrizes e normativas. Mas no SUS real, aquele que atende milhões de pessoas todos os dias, o acesso ainda é restrito e concentrado. A consequência é cruel: quem tem plano de saúde trata cedo; quem depende do sistema público muitas vezes chega tarde demais.
É hora de abandonar a distância entre o texto e a prática. Incorporar de verdade significa garantir financiamento, organizar centros de referência, capacitar equipes, definir critérios clínicos claros e assegurar que o procedimento seja realizado com qualidade e segurança. Significa enxergar que cada ablação bem indicada evita um AVC, impede uma internação, devolve dignidade e reduz desigualdades.
Fonte: O Globo





