Debate expõe fragilidades na rede de atendimento e reforça necessidade de mapeamento e financiamento para garantir direitos da população idosa

A Câmara Municipal de Várzea Grande realizou, nesta quarta-feira (26), audiência pública para debater políticas públicas voltadas às pessoas idosas. A iniciativa, requerida pelo vereador e presidente da Casa, Wanderley Cerqueira, reuniu autoridades do sistema de Justiça, representantes do Executivo municipal, conselhos de direitos, órgãos de controle, instituições de acolhimento e lideranças comunitárias.
O presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa de Mato Grosso (CEDEDIPI-MT), Isandir Rezende, chamou atenção para um problema considerado central: a ausência de dados consolidados sobre a população idosa no Estado. Segundo ele, Várzea Grande já se aproxima de 30 mil pessoas idosas, mas o poder público ainda desconhece com precisão onde estão, em quais bairros vivem e quais grupos demandam atendimento mais urgente.
“Nós não temos hoje o mapeamento no Estado de Mato Grosso que nos permita saber onde está esse idoso. E sem mapeamento não se faz política pública social. Como sociedade civil organizada, só podemos cobrar com base em dados, e hoje não temos esses dados de forma acessível aos conselhos”, afirmou.
Isandir lembrou que muitas informações estão dispersas no Cadastro Único, mas não chegam de maneira estruturada aos Conselhos Municipais e ao próprio Conselho Estadual, o que fragiliza o planejamento e a fiscalização. “Eu falo aqui como conselheiro do Estado: eu não tenho os dados da nossa população idosa. Estamos falando de 142 municípios, e os conselhos precisam ter acesso a essas informações para dizer quais são os bairros que precisam de atendimento com urgência. Sem isso, seguimos no escuro”, reforçou.
O presidente do CEDEDIPI-MT também declarou apoio ao Conselho Municipal do Idoso de Várzea Grande e à secretária municipal de Assistência Social, reconhecendo as dificuldades enfrentadas pela área diante da falta de recursos. “Eu vou defender a senhora, secretária. Todo gestor, quando você fala de política pública para idoso, muitas vezes não te ouve, porque ainda enxerga idoso como gasto. E se não tem dinheiro, não se faz política pública. Isso tem que ficar registrado. Tenho certeza de que o presidente desta Casa vai colaborar para que o orçamento traga condições reais de execução dessa política”, pontuou.
O presidente da Comissão Estadual da Pessoa Idosa do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, desembargador Orlando Perri, fez um diagnóstico sobre a situação da política de abrigamento no Estado. Ele lembrou que Mato Grosso tem mais de 400 mil idosos, mas não chega a 2 mil vagas em abrigos públicos e privados, e destacou que Cuiabá ainda não possui um único abrigo público mantido integralmente pelo poder público.
Perri relatou que recursos superiores a R$ 40 milhões, destinados à construção de abrigos públicos a partir de emendas e decisões judiciais, permanecem sem execução há mais de três anos. Para o magistrado, o Estado precisa assumir sua responsabilidade, criar unidades de abrigamento e implantar centros-dia, onde o idoso possa permanecer durante o período de trabalho da família. “A política pública dos idosos tem que ser levada a sério. Não é para o ano que vem, é para amanhã. Há idosos sendo abandonados em hospitais porque as famílias não têm onde deixá-los. E o que o Estado tem feito para resolver isso? Nada”, criticou.
O deputado estadual Eduardo Botelho, que também participou da audiência, destacou avanços obtidos na Assembleia Legislativa em prol da população idosa e afirmou que irá se engajar na defesa desta pauta. “Nós temos um Estado rico, que arrecada muito, mas a Baixada ficou para trás. Agora, estou começando essa luta para colocar no orçamento dinheiro e recurso para essas obras destinadas aos idosos, e vou até o fim nessa defesa”, declarou o parlamentar.
Autor do requerimento da audiência e presidente da Câmara, o vereador Wanderley Cerqueira relatou experiências de fiscalização em lares de idosos, denunciou práticas como medicalização excessiva para “controlar” residentes e cobrou atuação firme do município. “Não adianta pedir milhões para propaganda. Se tiver que vir aqui pedir orçamento para atender idoso, essa Casa está pronta. Mas não para outras despesas que não atendem a população”, disse.
Wanderley informou ainda que todas as deliberações de audiências públicas anteriores foram encaminhadas ao Ministério Público. “Tudo que é lavrado em ata nós enviamos ao Ministério Público, porque ele também é órgão fiscalizador e parceiro nosso na defesa dos idosos”, completou.
Na tribuna, a secretária municipal de Assistência Social, Cristina Setsuco Siqueira Saito, apresentou dados sobre o financiamento da política no município, esclarecendo que os repasses federais e estaduais para a assistência social estão aquém das necessidades reais. Segundo a gestora, Várzea Grande recebe cerca de R$ 46 mil mensais para o Serviço de Convivência e R$ 33 mil para os quatro Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). Para o acolhimento específico de idosos, mulheres e pessoas em situação de rua, o repasse é de apenas R$ 6,3 mil por mês.
Cristina ainda informou que a política depende de constante busca de recursos e que, mesmo com equipe comprometida, as estruturas físicas e a remuneração dos trabalhadores ainda são impactadas pela falta de financiamento adequado. Ela lembrou que tramita em Brasília a PEC 383/2017, que busca garantir percentual mínimo do orçamento federal para a assistência social, e defendeu o apoio da Câmara, dos conselhos e da população para que a política deixe de ser tratada como área secundária.





