
Nesta semana, participei de uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal, a convite do ministro Gilmar Mendes, para debater um tema que toca o coração da política de saúde: a precificação e o acesso a medicamentos no Brasil. Falar de preço de remédio é, na verdade, falar de justiça social, de sustentabilidade e de vida.
O Brasil construiu, ao longo de décadas, um sistema de saúde universal admirado em todo o mundo. Mas a expansão tecnológica e o surgimento de terapias de alto custo colocaram o país diante de um dilema: como garantir acesso equitativo sem comprometer a sustentabilidade do sistema público e privado? Como dizer sim à inovação e, ao mesmo tempo, não ao desperdício e à distorção de preços?
Hoje, o processo de incorporação de medicamentos ocorre em duas etapas: o registro na Anvisa e, posteriormente, a definição do preço e a avaliação de custo-efetividade pela Conitec. Essa fragmentação produz um intervalo perigoso, no qual o mercado se antecipa ao Estado. Nessa brecha, surgem a judicialização e a manipulação de preços, que transformam a exceção em regra e o remédio em símbolo de desigualdade.
Defendi, no Supremo, que o Brasil precisa de uma política moderna e transparente, que una essas etapas desde o início. A precificação deve acompanhar o registro, como já fazem países com sistemas universais maduros, como o Reino Unido e o Canadá. Lá, nenhum medicamento entra no sistema sem que o valor e o benefício clínico estejam claramente definidos e comparados a alternativas já disponíveis. É uma decisão técnica, baseada em evidências, não em pressões comerciais.
Defender a racionalidade não é ser contra a inovação, é sim protegê-la. Um país que gasta mal deixa de financiar o que realmente salva vidas. A incorporação precoce de terapias sem benefício comprovado ou de custo desproporcional retira recursos de vacinas, de UTIs, de equipes de atenção primária. É o preço da irracionalidade.
Além disso, precisamos de coerência entre o SUS e a saúde suplementar. Hoje, a ausência de integração entre Conitec e ANS enfraquece o poder de negociação do Estado e fragmenta a regulação. Um mesmo medicamento pode ser avaliado de maneiras distintas nos dois sistemas, com critérios diferentes e resultados incoerentes. A minha proposta é clara: unificar a precificação. Um país, um preço justo, uma lógica comum.
A transparência internacional é outro pilar essencial. O Brasil precisa comparar seus preços aos de outros países e tornar públicos os parâmetros que sustentam suas decisões. Só assim é possível enfrentar o que há de mais nocivo na economia da saúde: a assimetria de informação. Quando o Estado não sabe quanto paga e por que, ele perde soberania sobre sua política pública.
A judicialização, tão comum em nosso cotidiano, nasce do vazio técnico e da desinformação. Quando o cidadão não confia no processo de decisão, recorre ao Judiciário. E quando o Judiciário não tem parâmetros claros, decide sem base científica. Romper esse ciclo é uma tarefa coletiva, que exige coragem política, rigor técnico e compromisso ético.
Não se trata de negar o avanço da ciência, mas de alinhar inovação, economia e equidade. O direito à saúde não é o direito ao remédio mais caro, e sim ao tratamento mais eficaz, seguro e sustentável. A medicina baseada em evidências deve ser também a base da política pública.
O Brasil precisa de um pacto entre o Ministério da Saúde, a Anvisa, a Conitec, a ANS e a sociedade civil para modernizar seu modelo regulatório. Só com transparência, integração e responsabilidade poderemos garantir que o preço da inovação não ultrapasse o valor da vida.
O futuro da saúde depende da coragem de corrigir distorções e de colocar a razão a serviço do povo. O que defendo é simples: um país onde o remédio certo chegue à pessoa certa, no momento certo, e a um preço justo.






