O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM 2025) lançou aos jovens brasileiros um tema que deveria ecoar em toda a sociedade: “Perspectivas do envelhecimento na sociedade brasileira”. Não se trata apenas de um assunto de redação, mas de um espelho que nos obriga a olhar para o futuro — e, sobretudo, para o presente. O modo como tratamos nossos idosos revela quem somos como nação e o que seremos como humanidade. Vivemos mais, isso é uma constatação e uma das grandes conquistas da civilização moderna. O avanço da medicina, a melhoria da alimentação, a ampliação da rede de saúde, as campanhas de vacinação e a melhoria das condições de vida com prática de atividades físicas saudáveis fizeram com que a expectativa de vida do brasileiro, que era de 45 anos em 1940, ultrapasse hoje os 76, segundo o IBGE. Mas, se o corpo resiste por mais tempo, o mesmo não se pode dizer do afeto.
O envelhecimento, que deveria ser sinônimo de reconhecimento e gratidão, tem se transformado, para muitos, em sinônimo de solidão e esquecimento. Multiplicam-se as casas de repouso, os abrigos e os chamados “lares de idosos” — espaços que, em muitos casos, acolhem com dignidade, mas que também testemunham o abandono emocional de uma geração que ergueu este país e hoje representa mais de 1/4 da população brasileira. Os números são alarmantes. Dados do Disque 100, canal do Ministério dos Direitos Humanos, registraram mais de 100 mil denúncias de violência contra idosos em 2024, sendo a negligência a forma mais comum de agressão. São histórias de abandono, desprezo, humilhação e desamparo — feridas abertas de um Brasil que envelhece, mas ainda não aprendeu a respeitar seus velhos.
Mas há outro dado inquietante que completa esse retrato: enquanto a população idosa cresce e melhora a expectativa de vida, a taxa de natalidade despenca. As famílias estão menores, os casais têm menos filhos — quando os têm —, e o futuro anuncia uma inversão demográfica sem precedentes. Teremos, em poucas décadas, mais idosos do que jovens, menos gente ativa do que inativos, gerando assim um grande desafio para a previdência e economia brasileira. Além do mais, teremos um número cada vez menor de cuidadores disponíveis para oferecer apoio físico, emocional e social a quem mais precisa. O risco é de um país que envelhece sem braços para amparar, sem filhos para cuidar, sem jovens para ouvir — um paradoxo cruel de uma sociedade que prolonga a vida, mas não prepara quem a sustentará. O abandono, contudo, nem sempre é físico. Ele se manifesta na falta de escuta, na indiferença disfarçada de pressa, no gesto automático de quem “não tem tempo”. Quantos avós conversam sozinhos na varanda? Quantos pais sentem-se invisíveis dentro da própria casa? Há um silêncio nos velhos que não vem da surdez, mas da ausência de quem os ouça.
É verdade que o país avançou em políticas públicas, mas nenhum decreto substitui o amor. Nenhuma instituição é capaz de preencher o vazio de um abraço. Nenhum cuidador profissional pode compensar a ausência de quem deveria estar por perto – a família. Multiplica-se as casas de repouso, os abrigos, os “lares de idosos”, onde repousam não apenas corpos cansados, mas histórias de vidas interrompidas. Muito desses espaços cumprem, com sacrifício, um papel necessário, mas é impossível ignorar que boa parte deles existem porque o amor foi terceirizado. O Brasil precisa redescobrir o valor do afeto e acolhimento. O envelhecimento é uma etapa natural e bela da vida, não um problema a ser administrado. Precisamos enxergar no idoso não o peso dos anos, mas o milagre da resistência e a virtude e sabedoria da experiência. O idoso carrega nas mãos a história de um país inteiro, e cada ruga é um capítulo de luta, trabalho e superação. Que o tema do ENEM deste ano sirva de alerta, inspiração e esperança : envelhecer é uma bênção, e cuidar de quem envelheceu é o gesto mais nobre que podemos oferecer. Que sejamos uma sociedade não apenas longeva, mas também generosa.






